Após defender volta dos eletrochoques, Bolsonaro mira rede de atenção a usuários de drogas

Ameaça de revogaço de portarias que desmantelam Política Nacional de Saúde Mental cria racha entre psiquiatras brasileiros

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Mais de 120 organizações de diversos setores acionaram o Ministério Público Federal contra ‘revogaço’ planejado pelo governo Jair Bolsonaro de portarias que estruturam a política de saúde mental no País. As entidades pedem que um inquérito civil seja aberto pela Procuradoria para apurar a medida que, na opinião do grupo, poderá levar a um retrocesso e desmonte da área.

As discussões do Ministério da Saúde já provocaram um racha entre psiquiatras. Na quinta, 10/12, profissionais se uniram para fazer frente à Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), entidade representativa da categoria que defendeu o ‘revogaço’ em discussão no governo. Para os psiquiatras, a manifestação favorável da ABP deriva de ‘interesses corporativos e mercadológicos’.

Uma das mudanças previstas é retirar dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) o atendimento psiquiátrico voltados a usuários de drogas. A medida já havia sido alvo do governo antes: em julho, Bolsonaro regulamentou as chamadas ‘comunidades terapêuticas’, entidades que fazem o mesmo tratamento, mas são ligadas a igrejas e defensores da abstinência, enquanto os Caps atuam com a perspectiva de redução de danos e são do Sistema Único de Saúde (SUS).

Outra proposta visa afrouxar o controle sobre internações involuntárias dos pacientes dependentes de drogas, retirando a necessidade de comunicação ao Ministério Público, como é feito hoje. Em ofício enviado à Procuradoria, 128 entidades afirmam que as medidas, caso sejam implementadas, representarão um desmonte de políticas públicas da área da saúde mental e abririam brecha para falta de fiscalização do governo sobre o acompanhamento de pacientes.

O afastamento do SUS da gestão das ‘unidades de acolhimento’, relegando-as exclusivamente ao Ministério da Cidadania, abriria espaço à proliferação de comunidades terapêuticas e unidades privadas, financiadas com recursos públicos, mas não submetidas à fiscalização pela área da saúde acerca do plano terapêutico, presença de equipe de saúde mental e procedimentos internos de atenção”, apontam.

Profissionais ouvidos pelo Estadão também temem que as discussões em curso no Ministério da Saúde desemboquem em medidas para enfraquecer a Rede de Atenção Psicossocial (RAPs) do SUS, que segue um modelo integrado, territorializado e flexível desde a atenção básica.

ABP nega apoio ao fechamento dos CAPs e Residências

O Ministério da Saúde informou que as portarias que estruturam a política de saúde mental estão sob escrutínio de um grupo de trabalho composto, além da APB, por representantes do Ministério da Cidadania, do Conselho Federal de Medicina (CFM), do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). A pasta alega que as regras estão ‘obsoletas’ e diz que não há sugestão para fechamento de Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e dos Consultórios de Rua.

A Associação Brasileira de Psiquiatria emitiu uma nota oficial manifestando “surpresa e indignação” diante das informações veiculadas sobre extinção de todas as portarias relacionadas à saúde mental e seu suposto apoio ao fechamento dos CAPS e Residências Terapêuticas (veja a nota oficial na íntegra abaixo).

Segundo a ABP, “as mudanças, que completam três anos agora, precisam ser amplamente implementadas para que a desassistência aos pacientes com transtornos mentais, fruto de ideologias irresponsáveis, seja finalizada em nosso país”.

Governo já defendeu a volta dos eletrochoques

Não é a primeira vez que o Governo Bolsonaro mira nas políticas de assistência psicossocial. Em fevereiro de 2019, uma nota técnica do Ministério da Saúde reorientou as diretrizes da Política Nacional de Saúde Mental, destacando a hospitalização em manicômio. Entre as alterações, também constam a compra de aparelhos de eletroconvulsoterapia (eletrochoques) para o Sistema Único de Saúde (SUS), internação de crianças em hospitais psiquiátricos e abstinência para o tratamento de pessoas dependentes de álcool e outras drogas.

Com 32 páginas, o documento sobre as mudanças na Política de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas a incentiva a internação em hospitais psiquiátricos, como parte da Rede de Atenção Psicossocial (Raps). Com isso, retira o protagonismo da política de redução de danos, adotada há 30 anos no país, após esforços do movimento de sanitaristas e de luta antimanicomial.

Após críticas, governo anuncia apoio de quase R$ 100 milhões

O Ministério da Saúde informou que para reforçar o cuidado à saúde mental dos brasileiros durante a pandemia da Covid-19 disponibilizou cerca de R$ 99 milhões para ampliar e qualificar o atendimento prestado pelos 2.657 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) que funcionam atualmente em 1.790 municípios brasileiros, realizam atendimento especializado para pacientes com doenças ou transtornos mentais no Sistema Único de Saúde (SUS). A medida foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) desta quarta-feira (09/12). 

A pasta está liberando mais de R$ 5,8 milhões para municípios do Rio de Janeiro ampliarem os atendimentos em saúde mental durante a pandemia da Covid-19. O incentivo financeiro, instituído pela Portaria nº 3.350, será destinado para qualificar as ações ofertadas nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).

É por meio dos CAPS que as pessoas em sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas são acolhidas pelo SUS. A relevância desses serviços para a saúde pública se acentuou pelo cenário de combate à pandemia do coronavírus. Por isso, reiteramos nosso comprometimento com as atividades essenciais da assistência à saúde mental”, reforçou o secretário de Atenção Primária à Saúde da pasta, Raphael Parente. 

O objetivo é fortalecer as ações ofertadas nesses estabelecimentos durante a pandemia da Covid-19. Os valores serão destinados para ampliar o acesso e cuidado aos pacientes, minimizando o impacto em saúde mental que pode ser provocado pela chamada quarta onda da pandemia, onde é esperado um aumento no número de casos de doenças e transtornos mentais. 

Estados e municípios podem ainda utilizar os recursos para reforçar as práticas realizadas pelos CAPS e demais serviços da rede de saúde mental buscando a integralidade do cuidado em saúde decorrente da pandemia, fortalecendo as conexões com usuários do serviço e estimular outras ações, como busca ativa por meio de visitas domiciliares aos pacientes e seus familiares. 

REDE DE ATENDIMENTO 

A assistência às pessoas com transtornos mentais é ofertada de forma integral e gratuita em diversas unidades do SUS em todo o Brasil, conforme a necessidade de cada caso. Entre os serviços de referência para acompanhamento, estão as cerca de 42 mil Unidades Básica de Saúde (postos de saúde) e os 2.731 CAPS, que ofertam acolhimento e tratamento à pessoa em sofrimento e seus familiares – nesses serviços o cidadão é atendido e, caso seja necessário, é encaminhado para outro serviço especializado da rede. 

Em 2020, a pasta investiu cerca de R$ 1,5 bilhão para abertura de novos serviços da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Também neste ano, o Ministério da Saúde repassou cerca de R$ 650 milhões para aquisição de medicamentos do Componente Básico da Assistência Farmacêutica utilizados no âmbito da saúde mental, em virtude dos impactos ocasionados pela pandemia. 

Atualmente, a RAPS também conta com 791 Residências Terapêuticas; 68 Unidades de Acolhimento (adulto e infantojuvenil); 1.785 leitos de saúde mental em hospitais gerais; 13.851 leitos em hospitais psiquiátricos, 50 equipes multiprofissionais de atenção especializada em saúde mental e 144 Consultórios na Rua.

O que é CAPS e como funciona

CAPS, Centros de Atenção Psicossocial (Caps), são unidades especializadas em saúde mental para tratamento e reinserção social de pessoas com transtorno mental grave e persistente.

Os centros oferecem um atendimento interdisciplinar, composto por uma equipe multiprofissional que reúne médicos, assistentes sociais, psicólogos, psiquiatras, entre outros especialistas.

O site da Fiocruz destaca que “pessoas com transtornos mentais possuem direitos, conforme o estabelecido pelo Ministério da Saúde, e estes devem ser observados pela sociedade”. 

De acordo com o site da entidade, os pacientes com problemas psiquiátricos, em alguns momentos, estão sujeitos a crises e o Caps é o lugar indicado para seu acolhimento, pois o vínculo que o paciente estabelece com a equipe é muito importante neste momento.

Nos casos em que o paciente em crise está desorganizado mentalmente e o diálogo não é suficiente para o acolhimento, ou seja, quando há risco para o paciente, familiares e pessoas no entorno, há indicação de contenção química, que é a administração de remédios que tiram o paciente da situação de violência; e, em outras ocasiões é necessária a contenção física, impedindo fisicamente que o paciente use de violência contra si ou terceiros.

Nestes casos extremos de contenção o paciente não consegue se comunicar com a família e equipe de saúde com quem é vinculado, e os procedimentos adotados levam em consideração a segurança e a proteção do paciente, conclui o texto da Fiocruz. 

Nota oficial do Ministério da Saúde

O Ministério da Saúde esclarece que, atualmente, existem mais de 100 portarias relativas à saúde mental que estabelecem diretrizes para o tratamento e a assistência dos pacientes – e de seus familiares – com necessidades relacionadas a transtornos mentais e com quadros de uso nocivo e dependência de substâncias psicoativas. Após minuciosa análise de técnicos e especialistas da área, observou-se que muitas dessas portarias estão obsoletas, o que confunde gestores e dificulta o trabalho de monitoramento e a efetiva consolidação das políticas de saúde mental.

Com o intuito de tornar a assistência à saúde mental mais acessível e resolutiva, deve-se levar em consideração a análise de indicadores negativos nessa área, como:

crescimento das taxas de suicídio nos últimos 15 anos no Brasil, com agravamento de lesões autoprovocadas;

aumento de indivíduos em situação de rua com transtornos mentais graves;

isolamento social de pacientes com transtornos mentais graves;

aumento da mortalidade desses pacientes;

superlotação nos serviços de emergência;

aumento do uso de drogas e dependência química no país;

crescimento e a expansão das cracolândias em grande parte das cidades brasileiras, e

aumento de trabalhadores afastados, pela Previdência Social, principalmente por depressão e dependência química.

Nesse contexto, o Ministério da Saúde instituiu um grupo de trabalho com representantes do Ministério da Cidadania, do Conselho Federal de Medicina (CFM), da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), encarregado de analisar, discutir, aprimorar, revogar e criar novos instrumentos para a garantia do cumprimento da nova Política Nacional de Saúde Mental, aprovada pela Comissão Intergestores Tripartite (CIT) em dezembro de 2017, por meio da Resolução CIT nº 32/201 e da Portaria MS nº 3.588/2017.

Cabe informar, ainda, que, na nova atualização proposta, não há sugestão de fechamento dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e dos Consultórios de Rua. Sobre as Residências Terapêuticas, por não se tratarem de equipamentos médicos e serem destinadas, exclusivamente, ao acolhimento e reabilitação social, discute-se a sua transferência para o âmbito do Ministério da Cidadania.

Vale destacar também que o Ministério da Saúde, por meio de gestão tripartite, promoveu uma série de ações no âmbito da saúde mental durante a pandemia da Covid-19, como: videoaulas para profissionais da saúde e sociedade, com conteúdo disposto no link: https://coronavirus.saude.gov.br/capacitacao; ações de educação em saúde em dações de educação em saúde em defesa da vida, com a promoção de cursos de prevenção do suicídio e da automutilação na modalidade de educação a distância, disponíveis na plataforma prevencaoevida.com.br; instituição do Comitê Gestor da Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio; ampliação de serviços de saúde mental no SUS (Portarias 2.451 e 2.452, de 16 de setembro de 2020); repasse de R$ 650 milhões aos municípios para aquisição de medicamentos essenciais (Portaria 2.516, de 21 de setembro de 2020); entre outras.

Estão também em fase de elaboração as seguintes ações: criação de serviço telefônico para suporte em saúde mental – linha 196; elaboração de programa de treinamento para profissionais do atendimento 196; elaboração de programa de treinamento para profissionais da Atenção Primária à Saúde em consulta psiquiátrica; e treinamento de profissionais médicos e enfermeiros do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) em atendimento de urgência a doentes psiquiátricos.

Por fim, o Ministério da Saúde entende que a construção de uma rede de assistência à saúde mental essencialmente segura, eficaz, integral, humanizada, com abordagens e condutas baseadas em evidências científicas, e norteada por especialistas da área da saúde é um processo organizacional contínuo, que requer monitoramento constante e zelo com o investimento público.

Nota da Associação Brasileira de Psiquiatria

A Diretoria da ABP vem a público revelar sua surpresa e indignação pelas informações veiculadas em reunião realizada pela Câmara Técnica do CONASS. Na reunião, foram feitas afirmações sobre mudanças na área de saúde mental que seriam realizadas pelo Ministério da Saúde, descritas como “extinção” de todas as portarias relacionadas à Saúde Mental, e apoio da ABP ao fechamento dos CAPS, das Residências Terapêuticas, causando dificuldades de assistência às pessoas com transtornos mentais.

O documento apresentado pelo CONASS relaciona a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Tais informações são inverídicas e têm sido divulgadas irresponsavelmente. Além disso, depreciam o nome da Associação, que, ao contrário, tem em suas diretrizes publicadas em parceria com outras instituições – ABIPD, SBNp, AMB, FENAM e CFM – uma proposta de modelo em assistência em saúde mental muito diferente dessas afirmações e apresentadas a todos.

A ABP defende a nova Política Nacional de Saúde Mental, votada na Comissão Intergestores Tripartite (CIT) do SUS, com representação dos governos federal, estaduais e municipais, publicada em dezembro de 2017 por meio da Resolução CIT Nº 32/201 e da Portaria MS Nº 3.588/2017. Vale ressaltar que tais mudanças, que completam três anos agora, precisam ser amplamente implementadas para que a desassistência aos pacientes com transtornos mentais, fruto de ideologias irresponsáveis, seja finalizada em nosso país.

Em relação aos áudios, vídeos montados e às notícias falsas, a Associação Brasileira de Psiquiatria informa que já estão sendo adotadas as medidas jurídicas cabíveis buscando a responsabilização legal dos responsáveis.

Com Agências e Assessorias

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