Tempestade em copo d´água ou um caldeirão em ebulição?

Vídeo machista de brasileiros na Copa da Rússia provoca repúdio de internautas. Especialista fala sobre assédio no ambiente corporativo

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Se você ainda não assistiu, não assista, para não dar ainda mais ibope para uma meia dúzia de idiotas que se descambaram daqui para envergonhar o Brasil lá na Rússia. O repugnante vídeo em que um grupo de brasileiros machistas assedia uma mulher causou revolta nas redes sociais nos últimos dias, de acordo com levantamento realizado pela FGV DAPP.  Entre as 15h de sábado (16) e as 18h desta terça-feira (19), o assunto mobilizou 55 mil publicações no Twitter.

Ao contrário de posts sobre política, que costumam terminar em muitos desaforos e inimizades, desta vez o internauta brasileiro não “relativizou” as ofensas e a maioria dos tuítes foi de repúdio ao comportamento machista e ao uso de termos depreciativos contra a mulher. “Não se observa, entre os tuítes de maior repercussão, divergências ou relativizações quanto à gravidade do episódio”, afirmam os pesquisadores da FGV.

Um dos denunciados veio a público na terça-feira colocar ainda mais lenha na fogueira. Posando de vítima, disse que era pai de família’ e que tudo não passou de uma brincadeira – os brasileiros é que estão transformando “um copo d´água em tempestade”. Foi a gota d´água – ou melhor, a fagulha que faltava – para acender ainda mais o debate.

A ONU Mulheres emitiu nesta sexta-feira (22) uma nota pública sobre a violência de gênero durante a Copa do Mundo 2018, considerando “inaceitável a intenção deliberada de alguns torcedores brasileiros de assediar sexualmente mulheres” durante o evento esportivo. “Ao fazê-lo, violentaram as mulheres do mundo inteiro”, diz a nota, assinada pela representante da ONU Mulheres Brasil, Nadine Gasman.

Funcionário é demitido: como lidar com má conduta nas empresas

Nesta quarta-feira (20), algumas notícias apontam que a Latam demitiu o funcionário que participou do vídeo machista. Assim como o caso da Salesforce no ano passado, a atitude mostra a postura das empresas diante das más condutas de funcionários. Wagner Giovanini, especialista em ética e conduta no ambiente corporativo, traz dados inéditos sobre o mundo corporativo, coletados a partir dos Canais de Denúncia que a Compliance Total é responsável.

Do total, 29,9% das denúncias referem-se a assédio moral, agressão física ou discriminação e apenas 1,8% das denúncias são referentes a assédio sexual. Segundo ele, essa representatividade sugere maior clareza das pessoas no que diz respeito aos temas.  “Algumas discussões que podem surgir daí é o quanto o baixo índice de denúncias de assédio sexual, por exemplo, pode exemplificar o receio de se expor, ou o quanto a definição do que é assédio ainda é confuso”, ressalta.

Enquanto 42,3% das pessoas denunciadas são mulheres, 57,2% das pessoas denunciadas são homens. E para 32% das pessoas, o assédio sexual é o maior problema enfrentado pelas mulheres, de acordo com o Instituto Ipsos/ONG International Women’s Day. “O Canal de Denúncias é uma ferramenta de comunicação proativa e transparente, para reporte de violações, omissões, irregularidades, desconformidades, e qualquer descumprimento do Código de Ética, políticas e legislações, que possam causar danos às atividades da Companhia, aos colaboradores, acionistas e demais interessados”, ressalta o especialista.

Fôlego nas redes sociais

Quatro dias depois da divulgação do vídeo, a discussão ainda apresenta fôlego na redes sociais e às 16h desta terça-feira (19) foi registrado o principal pico de menções sobre o assunto, com 39 tuítes por minuto. As publicações reverberam a divulgação das identidades de três dos homens que aparecem nas imagens.

O primeiro pico de menções ocorreu ainda no domingo (17), quando, às 16h, houve uma média de 30 tuítes por minuto sobre o assunto. Nesse dia, começaram a ser identificados os participantes do vídeo. A publicação mais retuitada no período, com 13,4 mil compartilhamentos, destaca, por exemplo, que um dos homens é ex-secretário de Turismo de Ipojuca, em Pernambuco.

A partir de domingo destacou-se também um tuíte que convoca manifestações no aeroporto para quando um dos participantes do episódio chegar ao Brasil. Já na segunda-feira (18), iniciou-se ainda uma nova discussão, agora denunciando o racismo contido nas expressões usadas pelos homens, e que já conta com cerca de 2,5 mil menções (4,5% do total).

No debate sobre o vídeo, as hashtags #machismonacopa e #nãopassarão foram as que tiveram o maior número de menções, com 2,2 mil e 1,6 mil tuítes, respectivamente. Já entre as cinco palavras mais utilizadas, lidera a palavra “russa”, que se especula ser a nacionalidade da mulher do vídeo, que consta em 26,9 mil tuítes (49% do total). As outras quatro são: “brasileiros”, “vídeo”, “secretário” e “jatobá”.

Na distribuição regional dos tuítes, em números absolutos lideram os estados de São Paulo e do Rio de Janeiro (12,1 mil publicações cada) e Pernambuco (4,4 mil), estado de Diogo Jatobá. Ponderado pelo número de usuários por região, Pernambuco lidera, seguido por Piauí e Ceará. Já o emoji mais utilizado foi o rosto aborrecido, que aparece em 2,5 mil postagens (ou 4,5%).

ONU Mulheres critica violência de gênero na Copa 2018

Na nota pública, a ONU destaca que os torcedores brasileiros, ao usar palavras de baixo calão, “reduziram as mulheres a objetos sexuais na demonstração de como a misoginia que, inclusive fundamenta a cultura do estupro, assume diferentes formas e não tem fronteiras, ocorrendo num evento que se propõe a promover a integração dos povos e os sentimentos de união pelo esporte”, afirmou a nota assinada pela representante da ONU Mulheres Brasil, Nadine Gasman.

Leia a nota completa:

É inaceitável a intenção deliberada de alguns torcedores brasileiros de assediar sexualmente mulheres durante a Copa do Mundo, valendo-se de constrangimento, engano, e assim violando os direitos humanos das mulheres. Ao fazê-lo, violentaram as mulheres do mundo inteiro. Com palavras de baixo calão, eles reduziram as mulheres a objetos sexuais na demonstração de como a misoginia que, inclusive fundamenta a cultura do estupro, assume diferentes formas e não tem fronteiras, ocorrendo num evento que se propõe a promover a integração dos povos e os sentimentos de união pelo esporte. Às mulheres russas e às mulheres de todas as nacionalidades, a ONU Mulheres Brasil manifesta a sua solidariedade.

A discussão pública sobre os vídeos sexistas e as consequências dos fatos mostram, mais uma vez, o repúdio do mundo ao machismo. A forte reação pública de repúdio é fundamental para que fique cada vez mais sólida a convicção da sociedade contra todas as formas de violência contra as mulheres. Os casos de violência contra as mulheres russas demonstram como não há mais lugar no mundo para o machismo, e os homens precisam entender isso e atuar firmemente para acabar com o sexismo.

Grandes eventos devem colocar a questão de gênero e os direitos das mulheres no centro dos encaminhamentos preparativos por meio de medidas de prevenção e consciência pública sobre a violência contra as mulheres. Iniciativas de prevenção, a exemplo da campanha do Secretário-Geral da ONU “UNA-SE pelo Fim da Violência contra as Mulheres”, precisam ser adotadas pelas próprias instituições organizadoras de grandes eventos, ampliando o alcance e a circulação de mensagens de conscientização sobre práticas e comportamentos sociais baseados no respeito e na igualdade de direitos e alerta sobre como a violência de gênero acontece, como evitar, como apoiar as vítimas e como responsabilizar os agressores.

Por fim, é responsabilidade dos homens fazer da Copa um espaço seguro para todas e todos.

Nadine Gasman
Representante da ONU Mulheres Brasil

Fonte: FGV, Compliance Total e ONU Brasil, com Redação (atualizado dia 22, às 18h)

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