Brasileiro lê menos de 5 livros por ano – e a maioria não termina

Percentual de leitores era de 44% em 2015. Veja o que fazer para aumentar essa média e incorporar a rotina no ano que se inicia

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Criado em 7 de janeiro de 1928, pelo poeta e jornalista Demócrito Rocha, o Dia do Leitor é uma homenagem à fundação do jornal cearense “O Povo”. O Jornal ficou conhecido por combater a corrupção e divulgar fatos políticos. Nele existia um suplemento chamado “Maracajá” que se tornou um espaço de divulgação do movimento modernista literário cearense na época. As obras de Demócrito Rocha são de grande importância para a cultural regional. O autor pertenceu à Academia Cearense de Letras, enquanto era vivo.

Os últimos dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),  em maio de 2018, apontaram que a taxa de analfabetismo da população com 15 anos ou mais de idade é de 7% em 2017. Esse número representa 11,5 milhões de brasileiros que não sabem ler e escrever. O índice estipulado pelo Plano Nacional de Educação (PNE) para 2015 foi de 6,5% da população.

A pesquisa mostrou melhora nos números de leitores no Brasil. Em 2011, 50% se declararam não leitores, isto é, não tinham lido nenhum livro nos últimos três meses. Já em 2015, o percentual de não leitores caiu para 44%, enquanto 56% da população declarou ter lido, inteiro ou em partes, pelo menos um livro no trimestre. O índice também apontou que o brasileiro lê, em média, 4,96 livros por ano, sendo que apenas 2,43 dessas obras foram terminadas.

O economista e professo Luiz Alberto Machado, listou algumas fatores importantes referentes ao hábito da leitura e seu impacto no desenvolvimento.

 1. O fato

O recém-divulgado Anuário Brasileiro da Educação Básica, organizado pelo movimento Todos pela Educação, traz uma série de números que impressionam por sua magnitude. Analisando generalizadamente os números do Anuário, constata-se que os avanços são maiores no plano quantitativo do que no qualitativo.

Neste último plano, o que mais me preocupa é o baixo aproveitamento em aspectos essenciais como leitura e matemática. Menos da metade dos alunos atingiu níveis de proficiência considerados adequados ao fim do terceiro ano do ensino fundamental em leitura e matemática. Em relação à escrita, um terço dos alunos apresentou níveis insuficientes. As deficiências são mais acentuadas nas crianças de nível socioeconômico mais baixo.

“Ignorar os desafios reais da educação básica – adverte o Todos pela Educação – é também fechar os olhos à grave realidade socioeconômica, de falta de competitividade tecnológica, científica e produtiva que vivenciamos. […] Trata-se, principalmente, de reconhecer a urgência dos problemas, buscar aprender com as iniciativas de sucesso, entender os grandes números e contextualizá-los na realidade de cada localidade.” A educação precisa, com urgência, de um projeto estratégico. A crise de aprendizagem é a negação de um horizonte mais justo e mais humano para as novas gerações.

A mim, particularmente, preocupa a deficiência em leitura, uma vez que ela tem efeito multiplicador. Quem não lê satisfatoriamente, não consegue interpretar o enunciado de questões de qualquer outra disciplina, o que explica, seguramente, maus resultados em matemática, ciências, geografia ou história.

Mais de 35 anos dedicados ao ensino de diversas disciplinas nos cursos de ciências econômicas, engenharia e tecnologia dão-me segurança suficiente para concluir dessa forma.

2. A boa prática

Desde 2000, o Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial tem dedicado bastante atenção ao programa “Círculos de Leitura”, realizando encontros com grupos de até 15 alunos de escolas da rede pública para ler, discutir e produzir textos a partir de obras clássicas da literatura brasileira e universal. Dessa forma, busca apoiar o jovem no desenvolvimento de sua identidade, cidadania e relacionamento com a comunidade.

A leitura e debate em grupo criam um espaço para adolescentes que querem compartilhar experiências e ampliar o universo de conhecimento por meio das palavras e do vínculo com o outro. Durante a prática dos Círculos de Leitura, emergem os “multiplicadores” – jovens que se destacam pelo talento, dedicação, ambição e potencial de liderança. No método desenvolvido pela psicanalista Catalina Pagés, coordenadora do programa, cabe ao multiplicador conduzir as práticas de leitura em que os estudantes se sentam em pequenas rodas e leem em voz alta, com pausas para reflexão em grupo.

Em 2011, uma das palestras intituladas Das quadras para a vida, ministradas com meu filho, e que deram origem ao livro com o mesmo título, foi dirigida a participantes desse projeto, envolvendo alunos e multiplicadores. Na ocasião, ficamos impressionados com o interesse e o envolvimento dos participantes.

No ano passado, ao completar 18 anos, o programa lançou um livro comemorativo, do qual foram extraídos muitos dos depoimentos deste artigo.

Neyr Maria Freitas Rodrigues Palmeira, superintendente escolar da 19ª Crede, em Juazeiro do Norte, região do Cariri, no estado do Ceará, afirma:

A metodologia e as estratégias dos Círculos contribuem para o rompimento de antigo paradigma no qual o aluno era concebido como mero receptor de informação, passando a atuar de forma autônoma na construção do conhecimento. Esperamos que as ações do programa Círculos de Leitura sejam cada vez mais fortalecidas e sistematizadas pela nossa rede educacional.

Aline Jacó pertence a um grupo que se tornou conhecido como “os jovens do Ceará”, que têm vencido barreiras econômicas e geográficas, contribuindo para escrever uma página nova desse estado que tanto sofreu com a seca em décadas passadas. Seu depoimento ilustra bem a importância que os Círculos de Leitura tiveram em sua vida:

Minha vivência nos Círculos de Leitura foi fundamental, pois me proporcionou também o amadurecimento e a coragem suficientes para adiantar o Ensino Médio e ir para a faculdade. Fui para a universidade e continuei atuando como multiplicadora voluntária em três locais: em minha escola, em uma escola infantil de minha cidade e em um centro de detenção de menores. Essa última experiência foi enriquecedora, pois com ela  aprendi que, realmente, “as paixões alegres são mais fortes que as tristes” e que o prazer de ler em grupo é maior que os erros do passado.

As coordenadoras do programa Círculos de Leitura, Catalina Pagés e Maria Aparecida Lamas, resumiram bem um dos objetivos do programa numa carta a uma professora,  elogiando a capacidade de compreensão de seus alunos após a leitura de Fernão Capelo Gaivota:

A ideia de perfeição, que também emergiu no grupo, remeteu-nos a uma palavra de origem grega: aretê. […] Aretê significa ‘perfeição, excelência, nobreza’. É uma palavra que expressa o conceito grego de fazer bem feito, o bom cumprimento da tarefa a que nos dedicamos. O fazer bem-feito nos leva ao encontro da nossa essência. E, segundo Sócrates, esse fazer bem-feito, que nos faz descobrir nossa essência, é fonte de uma intensa alegria.

3. A relevância da leitura

Michèle Petit, pesquisadora do Laboratório de Dinâmicas Sociais e Recomposição dos Espaços, do CNRS, da França, com profundo conhecimento de causa, dá grande ênfase à relevância da leitura na vida de qualquer sociedade.

O que está em jogo na leitura – sobretudo entre os jovens, para quem ler não é algo natural – não me parece se reduzir a uma questão “social”. Parece, a meu ver, aproximar-se da democratização profunda de uma sociedade.

Uma cidadania ativa – não devemos esquecer isso – não é algo que cai do céu, é algo que se constrói. A leitura pode contribuir em todos os aspectos que mencionei: acesso ao conhecimento, apropriação da língua, construção de si mesmo, extensão do horizonte de referência, desenvolvimento de novas formas de sociabilidade… e em outros que com certeza estou esquecendo.

Por meio da difusão da leitura, cria-se um certo número de condições propícias para o exercício ativo da cidadania. Propícias, necessárias, mas não suficientes. Mais uma vez, não sejamos ingênuos. Se existe uma leitura que auxilia a simbolizar, a se mover, a sair do lugar e a se abrir para o mundo, existe também uma outra que só conduz aos prazeres da regressão. E se alguns textos nos transformam, há uma grande quantidade que, na melhor das hipóteses, apenas nos distraem.

4. Outras considerações

A exemplo da especialista Michèle Petit, ainda que sem um centésimo de seu conhecimento, também considero muito importantes experiências como os círculos de leitura, as bienais dos livros e os festivais literários, cujo número, felizmente, de acordo com informações que me foram prestadas pelo professor Jair Marcatti, cresce ano a ano nas diversas partes do País. A mais famosa e mais conhecida é a Flip – Festa Literária Internacional de Paraty, mas outras iniciativas dessa natureza são também merecedoras de destaque, como fica claro no depoimento que se segue, do consagrado Ignácio de Loyola Brandão a respeito do Encontro de Autores Paraibanos, coordenado pela União Brasileira de Escritores, realizado em João Pessoa:

Em uma semana, a cidade conviveu em três eventos com livros, gêneros e autores os mais diferentes. O que reforça a afirmação que faço sempre: coisas mudam, fala-se muito de livros, secretarias estaduais ou municipais de Educação e Cultura, centros culturais, associações agem, faculdades e escolas realizam.

O experimentado jornalista Lourival Sant’Anna, num excelente artigo para o caderno Aliás de O Estado de S. Paulo, chamou atenção para um aspecto extremamente importante representado pela oportunidade de participação no Círculos de Leitura para quem vive na periferia de uma cidade como a de São Paulo:

Quem vive na periferia se sente muitas vezes intimidado de ir para os bairros mais ricos, onde estão os chamados “equipamentos culturais”. Desde pegar o ônibus ou o trem para atravessar São Paulo até entrar nesses espaços que, ainda que “públicos”, não parecem feitos para os mais pobres, é uma aventura para quem mora nos extremos da cidade. A leitura de clássicos e a companhia de jovens como eles os encorajam a fazer essa travessia, que coincide com sua transição para a vida adulta.

5. Fundamentação teórica

Como economista e educador, sempre me interessei pelos economistas que se dedicaram à pesquisa do impacto econômico da educação, que justificaram o surgimento da expressão teoria do capital humano, que, de certa forma, dá sustentação teórica às reflexões deste artigo.

Embora outros nomes tenham anteriormente se preocupado com o tema, identifico em Alfred Marshall, para quem “o mais valioso de todos os capitais é o que se investe em seres humanos”, o economista que primeiro soube compreender o enorme significado da educação para o desenvolvimento das nações em pleno final do século XIX. Outros importantes economistas deram sequência ao exame da relação entre educação e desenvolvimento, entre os quais os laureados com o Nobel de Economia: Theodore Schultz (1979), Gary Becker (1992) e James Heckman (2000). No Brasil, têm se debruçado sobre o tema, entre outros, Eduardo Giannetti, Fabio Giambiagi e Ricardo Paes de Barros.

6. À guisa de conclusão

Para concluir, reproduzo as palavras de Patrícia Guedes, atualmente no Itaú Cultural, mas que acompanhou, como colaboradora do Instituto Fernand Braudel, o surgimento do programa Círculos de Leitura.

Quando penso em cada jovem, tocado pelos Círculos de Leitura, ao longo desses 18 anos, e nos caminhos de cada um, penso nessa sensibilidade que fortalece. É dela que falava o jovem herói Aliosha Karamazov, de Dostoiévski, quando antes de partir explica a um grupo de crianças que uma boa lembrança fica para sempre guardada em nós, mesmo quando dela, já adultos, nos esquecemos. Ela fica à nossa espera, até que possa vir ao nosso auxílio mais tarde, quando a vida nos trouxer tribulações, medos e surpresas. Protetora, assim como Palas Atenas protegeu Ulisses e Telêmaco em suas travessias. Que nos próximos 18 anos mais crianças e jovens brasileiros possam ter essa boa e guardiã lembrança de um Círculo de Leitura, para sempre os acompanhando no caminho.

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