Cloroquina: médicos não são obrigados a prescrever

Advogado especializado em bioética diz que pacientes também não precisam aceitar. ViDA & Ação ouve a opinião de dois médicos: um contra, outro a favor

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A decisão do Ministério da Saúde de liberar o uso da cloroquina e hidroxicloroquina, associadas à azitromicina, para tratamento precoce da Covid-19, inclusive em pacientes leves, continua repercutindo entre a classe médica e também entre advogados especialistas em saúde. Na opinião do advogado Mario Barros Filho, e professor do Curso de Medicina da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde do Hospital Albert Einstein e sócio do escritório BFAP Advogados, a ação do governo não interfere na autonomia dos médicos de receitar ou não os medicamentos.

O médico não é obrigado a prescrever. Existe um princípio de bioética muito importante que é a autonomia. Ele serve para nortear a relação médico-paciente, nas duas pontas. Nenhum médico pode ser obrigado a fazer o que não concorda, inclusive por força do Código de Ética Médica”, destaca o especialista.

Segundo ele, o paciente pode se negar a receber o medicamento, como ocorre com todos os outros tratamentos. “O que eu sempre venho a sugerir em situações complexas como essa é que o médico discuta a possibilidade com o paciente e emita sua recomendação baseada no caso concreto. Um protocolo serve para dar uma linha geral e não ser imposto de cima para baixo. Lógico que há também uma possibilidade de um paternalismo nos casos graves, mas isso não deverá ser a regra”, afirma o especialista.

Mario Barros Filho também ressalta que o médico não deverá ser responsável pelo resultado do uso ou não dos medicamentos indicados no protocolo. “Acredito ser difícil traçar um nexo de causalidade tão direto e seguro a respeito do falecimento de um paciente e a negativa do médico em prescrever um tratamento autorizado por um protocolo. Isso porque se um paciente deseja ser cuidado de acordo com a orientação de um protocolo e o seu médico discorda dessa vontade, deveria o primeiro procurar um outro médico e o segundo alegar objeção de consciência para deixar de tratar desse paciente.

Logicamente, isso só seria válido para situações em que o paciente não se encontra em estado grave de vida ou presente indícios de perigo imediato. Para apurarmos a responsabilidade, ademais, seria necessária a avaliação do caso concreto para a identificação de uma conduta culposa do médico (dolo, imperícia, imprudência ou negligência)”, conclui o professor.

CONTRA

Para médico, uso só pode ser experimental

O uso da cloroquina/hidroxicloroquina como tratamento para o novo coronavírus deve ser encarado como experimental até o momento. É o que afirma o médico oncologista Ramon Andrade de Mello,  professor de Oncologia Clínica da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e da Escola de Medicina da Universidade do Algarve (Portugal), que tem ampla experiência na realização de estudos clínicos semelhantes.

“Para confirmar que um medicamento é eficaz no tratamento de uma nova doença como o coronavírus, são necessárias inúmeras etapas de pesquisa e muitos testes. É preciso ter uma grande estrutura para avaliar as inúmeras variáveis que influenciam no tratamento. O desenvolvimento de novos medicamentos para tratamento das doenças passa por várias fases de estudos pré-clínicos e estudos clínicos, que podem levar até 10 anos para comprovar a eficácia de um medicamento e registrar em um órgão regulatório.”

O oncologista alerta que os estudos clínicos seguem um padrão técnico internacional no qual os cientistas reúnem um número considerável de pacientes, separam um grupo de controle e analisam uma série de condições para determinar uma dosagem adequada, além de publicar resultados parciais em revistas científicas, indexadas e de alto fator de impacto, como é o caso da Lancet, Journal of Clinical Medicine ou do New England Journal of Medicine.

“Para chegar a um tratamento seguro de qualquer enfermidade, os médicos precisam fazer uma pesquisa minuciosa, que leva tempo e precisa de um investimento alto. Este tipo de estudo clínico pode ser usado para buscar a cura de várias doenças, e envolve um procedimento detalhado de revisão dos dados, para então concluir que a melhora na saúde dos pacientes se deve ao tratamento em questão.”

Ramon Andrade de Mello lembra que alguns estudos do tipo estão sendo realizados na Europa, na China e no Brasil, mas ainda estão em fases iniciais. “Colocar a cloroquina como um dos tratamentos eficazes contra a Covid-19 é uma atitude precipitada. Em uma crise desta magnitude, a comunidade médica e científica deve prezar pela cautela. Testes com poucos pacientes em alguns hospitais são importantes, mas não podemos tomá-los como referência para todo o mundo. O principal estudo europeu que está avaliando a eficácia da cloroquina e mais três outras drogas no combate ao coronavírus ainda não apresentou resultados definitivos”.

A favor

Para médico de SP, liberação atende princípios básicos do SUS

O médico neurocirurgião Fernando Gomes, professor livre docente do Hospital das Clínicas de SP, à frente do atendimento no SUS há quase 20 anos, explica porque a liberação da cloroquina vai de encontro aos três princípios fundamentais do sistema de saúde: equidade, integralidade e universalização.

Embora os estudos preliminares mostrem que existem sim benefícios, enquanto outros mais bem elaborados não comprovaram a eficácia do uso da cloroquina, a grande polêmica que gira em torno da medicação ainda não mostrou que a droga não seja benéfica para o tratamento da Covid19 e, principalmente, para estágios inicias da doença.

Para Fernando Gomes, diante da situação em que a pandemia se encontra – sem vacina e com possível falta de vagas em UTIs e ventiladores para todos os casos graves – se há um remédio que seja capaz de inibir a entrada do vírus na célula e modular a resposta inflamatória (evitando o agravamento da doença) é, no mínimo, justo e humano permitir que toda a população tenha acesso a tal medicamento.

“Estou falando em uso da medicação desde que seja devidamente prescrita e acompanhado por um médico já que sabemos todo remédio traz consigo benefícios e riscos (efeitos colaterais) e é papel do médico manejar esta situação. Lembrando que não existe tratamento para nenhuma doença do mundo que seja 100% eficiente e livre de possíveis complicações – isso é a realidade, isso é a medicina. O povo brasileiro pode ficar feliz porque essa liberação vai de encontro com os princípios fundamenteis do SUS (equidade, integralidade e universalização)”, revela o médico que explica os princípios básicos da saúde:

• EQUIDADE: igualdade e a justiça no atendimento a pacientes de acordo com as necessidades de cada paciente individualmente;

• INTEGRALIDADE: integração de ações que incluem promoção da saúde como a prevenção de doenças, o tratamento e a reabilitação;

• UNIVERSALIZAÇÃO: determina que todos os cidadãos brasileiros, sem qualquer tipo de discriminação – independentemente de sexo, raça, ocupação, ou outras características sociais ou pessoais – tenham direito ao acesso às ações e aos serviços de saúde.
Com Assessorias
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