Como identificar se uma criança ou adolescente sofre de estresse pandêmico

Especializada na Infância e Adolescência, a psiquiatra Danielle Admoni estreia sua coluna mensal no ‘Palavra de Especialista’ do ViDA & Ação

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Danielle H. Admoni*

Do total de pessoas acometidas pela Covid-19, os casos diagnosticados em crianças e adolescentes ficam apenas entre 1% e 5%. No entanto, os mais jovens fazem parte de um grupo mais vulnerável emocionalmente aos impactos da pandemia.

Estudo recente da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) mostrou como o isolamento e a falta de interação social afetaram as crianças: 88% dos pediatras que participaram do estudo relataram alterações comportamentais, incluindo oscilação de humor, citada por 75% deles, seguida de fala e comportamento desorganizados, abordada por 5% dos especialistas.

Danielle Admoni, psiquiatra, especializada em Infância e Adolescência (Foto: Divulgação)

Outra pesquisa do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), baseada em respostas de cerca de 7.000 pais de crianças e adolescentes dos 5 aos 17 anos, mostra que 27% das pessoas dessa faixa etária apresentam sintomas de ansiedade ou depressão em nível clínico na pandemia, ou seja, com necessidade de avaliação profissional. 

É importante destacar que a evolução do indivíduo depende da genética e do ambiente que o cerca. Toda criança será exposta, inevitavelmente, a situações adversas, como a perda do seu animal de estimação, mudança de escola, de cidade, entre outras. Mas, no momento atual, o cenário é mais delicado, pois se trata de um episódio completamente atípico. 

Durante a pandemia, esse ambiente tende a se tornar inapropriado para o crescimento adequado de uma criança, que está em intenso desenvolvimento cerebral. Assistir ao estresse dos familiares, às pessoas doentes e ainda lidar com o afastamento dos amigos são aspectos mais difíceis de serem assimilados por indivíduos em pleno desenvolvimento neuropsicomotor, podendo gerar danos irreversíveis.

Filhos de profissionais da saúde (que vivem com a ameaça do vírus), crianças afastadas dos pais infectados ou as que se enquadram no grupo de risco são as mais afetadas psicologicamente. Há ainda jovens com fragilidades prévias, como aqueles que já apresentavam algum tipo de transtorno, deficiências ou outros problemas de saúde.

Como identificar os sinais do estresse

A criança pode dar os primeiros sinais desse estresse com atitudes que antes não eram comuns. Ficam mais chorosas, não dormem bem, alteram o apetite, regridem no desenvolvimento (uma criança que já havia realizado o desfralde volta a fazer xixi na cama) e evoluem para quadros mais intensos de agitação, agressividade, personalidade introspectiva, sentimento de incompetência e déficit de atenção.

No estresse mais intenso, há alterações persistentes ou graves, como isolamento, falta de interesse em conversar com as pessoas ou de realizar atividades que antes eram prazerosas. Também demonstram medo de sair de casa e pensamentos repetitivos sobre sua morte ou a de familiares.

Em relação aos adolescentes, vale lembrar que eles estão na fase de descobertas, formação de identidade e de novas experiências sociais. Com a pandemia, esse processo natural é rompido, podendo ser fator de risco à saúde mental do jovem.

Ainda há o agravante de que, diferentemente das crianças, os adolescentes são muito mais independentes. Ou seja, é frequente estarem fora do controle direto dos pais. Daí a importância de ficar atento aos sinais que sugerem comportamentos atípicos.

Alterações bruscas de humor, agressividade constante, isolamento maior do que o normal e, principalmente, uso excessivo e recorrente de álcool indicam a necessidade de uma abordagem profissional.

As consequências a longo prazo

O sono na adolescência: menina dorme na grama com boné cobrindo o seu rosto (Foto: Divulgação)

O estresse elevado e contínuo pode gerar danos irreversíveis ao desenvolvimento neuropsicomotor de uma criança. Quando a criança é exposta ao estresse, toda a sua estrutura cerebral é afetada, provocando disfunção no sistema neurológico e endocrinológico.

Essas alterações se refletem na vida adulta, com o desencadeamento de doenças crônicas, como hipertensão arterial sistêmica, diabetes melittus, doenças pulmonares, distúrbios neuropsiquiátricos e comportamentais (como depressão ou transtorno de ansiedade generalizada) e maior risco à dependência química.

Como lidar com os sintomas

Em meio a todas essas situações atuais, fica mais evidente a importância do suporte familiar, do acolhimento, do incentivo às atividades de lazer, do estabelecimento de uma rotina saudável (alimentação, sono e exercícios) e, se necessário, de um tratamento multidisciplinar com psicoterapia. 

Todo esse amparo, somado a sua maturidade, ao seu estágio de desenvolvimento e sua habilidade intrínseca, serão determinantes para que a pandemia não gere graves consequências à criança e ao adolescente.

*Danielle H. Admoni é psiquiatra da Infância e Adolescência na Escola Paulista de Medicina da Unifesp e especialista pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Escreve para este espaço toda primeira quarta-feira do mês. Mais informações: palavradespecialista@vidaeacao.com.br.

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