Cura do corona pode vir do sangue de quem já se curou

Hemocentros e hospitais brasileiros iniciam estudos para utilizar a técnica do plasma convalescente para tratar pacientes graves de Covid-19

No Hemocentro de Ribeirão Preto, pesquisadores já coletam o plasma de doadores para transferência passiva de imunidade (Foto: Divulgação/CTC)
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Uma corrida em busca da cura imediata para a Covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus, tem movido uma série de pesquisas em todo o mundo. Atualmente, não existem terapias medicamentosas comprovadas ou vacinas eficazes para o tratamento da doença. Neste cenário, a transfusão de anticorpos produzidos por pacientes curados surge como mais uma arma para o combate ao maior desafio da humanidade desde a Segunda Guerra Mundial, a pandemia de coronavírus.

A terapia envolve a retirada de plasma sanguíneo de um paciente que já teria desenvolvido imunidade à doença e pode se tornar um tratamento para casos moderados e graves da doença. De acordo com especialistas, o plasma teria o potencial de diminuir a gravidade ou ao menos encurtar a duração da doença causada pelo vírus. A técnica consiste em retirar o sangue de pacientes que foram contaminados pelo coronavírus e se curaram e infundir o plasma – parte do sangue que contém anticorpos – para transfundir em infectados e com quadro grave. Em seguida, o plasma seria injetado em um paciente doente, para que o anticorpo ataque o vírus.

A Food and Drug Administration (FDA), agência de medicamentos norte-americana, aprovou no dia 3 de abril testes clínicos envolvendo a retirada de plasma sanguíneo de pacientes em recuperação do coronavírus. A técnica, chamada de transferência passiva de imunidade, está sendo testada em países como China, França, Itália, Israel, Canadá e Estados Unidos. Na China, a publicação do balanço de um experimento com pacientes graves com Covid-19 indica bons resultados em uma parcela dos testados.

A técnica de utilização do plasma convalescente já começou a ser testada no Brasil em vários hemocentros e hospitais. O grupo do Hemocentro de Ribeirão Preto obteve aprovação do projeto esta semana pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e já está coletando o plasma dos doadores curados de Covid-19. O experimento vai se juntar a outras iniciativas de pesquisa semelhantes realizadas na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em Campinas, na Faculdade de Medicina da USP, em São Paulo, e nos hospitais Albert Einstein e Sírio-Libanês.

No Rio de Janeiro, a Secretaria de Estado de Saúde (SES-RJ) também anunciou no dia 6 de abril que iria iniciar no Hemorio uma série de estudos para utilização da técnica do plasma convalescente para tratamento de pessoas com quadro grave de Covid-19.  Pacientes curados no estado serão convocados e avaliados como potenciais doadores do plasma. O diretor do Hemorio, Luiz Amorim, explica que cada plasma coletado pode fornecer tratamento para até três pessoas.

O plasma doado pelos pacientes curados ficará na unidade e será distribuído mediante solicitação dos hospitais que tratam casos graves de Covid-19. A expectativa é que haja melhora da evolução da doença e redução da mortalidade nos pacientes que recebam a terapia, além de os riscos serem praticamente zero. No entanto, só os resultados dos estudos determinarão se a abordagem é de fato eficaz”, disse ele.

O plasma convalescente não é novidade no Hemorio. A mesma técnica já foi aplicada nas epidemias de ebola e H1N1 e surge como mais uma possível estratégia para o combate do coronavírus. Anteriormente, em parceria com a Fiocruz e a Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, o hemocentro já havia estudado a mesma técnica para o vírus da dengue, e bons resultados foram obtidos (em laboratório).

“Ainda não temos vacinas ou medicamentos aprovados para a Covid-19 e, por isso, é importante testar essa estratégia. Vamos verificar se a transferência de anticorpos é segura e se auxilia na neutralização do vírus e, portanto, na recuperação da doença”, diz Rodrigo Calado, coordenador do estudo e um dos pesquisadores principais do Centro de Terapia Celular da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão apoiado pela Fapesp.

A vantagem é ser uma técnica que pode ser testada, sobretudo em momentos emergenciais. O ideal seria termos uma vacina, que é a injeção do vírus atenuado para que o indivíduo que nunca teve a doença produza de forma ativa seus próprios anticorpos. Mas isso requer muito tempo de pesquisa e de testes. Agora, em plena pandemia, testar o plasma se torna uma medida mais rápida. Também não requer o tempo necessário para produzir uma droga em laboratório. Se confirmada a eficácia, basta colher o plasma do doador e pronto”, diz.

Pacientes de Ribeirão Preto já recebem o plasma

Para testar a eficácia da estratégia, 45 pacientes do Hemocentro de Ribeirão Preto já estão recebendo plasma sanguíneo com os anticorpos que combatem o novo coronavírus (SARS-CoV-2). O estudo vai levar em conta o tempo da doença. Dessa forma, nos testes, a transfusão de plasma deve ocorrer no máximo até o sétimo dia da infecção, caso haja sinais de que o quadro irá se agravar.

Infecções virais como a causada pelo SARS-CoV-2 tendem a ativar o sistema imunológico do paciente infectado. Ao reconhecer a presença do vírus, as células de defesa começam a produzir anticorpos (proteínas secretadas por linfócitos) que têm a função de neutralizar o patógeno. Dependendo da pessoa, essa resposta pode levar entre sete e 20 dias até que seja produzida uma quantidade suficiente de anticorpos para eliminar o vírus”, diz.

Ele explica que a doença tem duas fases: uma de propagação do vírus e outra de muita inflamação. A transfusão do plasma tem de ser antes do agravamento da inflamação, para que os anticorpos doados possam atuar diretamente no vírus. Ele ressalta que, a despeito de a técnica já ter sido usada para outras doenças, é preciso verificar se para os casos de Covid-19 a transfusão de plasma diminui a mortalidade e também se é segura.

A transfusão envolve 600 mililitros de plasma e essa quantidade pode sobrecarregar os pulmões e o coração. Outro risco é desencadear uma reação inflamatória exacerbada, em vez de diminuí-la. Pode provocar alergia ou outras reações. Precisamos antes testar para saber se é segura e se pode ser benéfica”, explica o pesquisador.

É interessante unirmos forças nesse momento. Estamos conversando com outros centros de pesquisa, temos experiência em rodar ensaios clínicos e podemos auxiliar com esse conhecimento. Também é interessante aumentar o número de pacientes testados para termos uma resposta mais robusta sobre a segurança e eficácia dessa estratégia para casos de covid-19”, afirma Calado.

Técnica tão segura quanto a transfusão de sangue

A técnica de transferência passiva de imunidade não é uma novidade na ciência. Segundo pesquisadores da Universidade Johns Hopkins, a estratégia de isolar o plasma é uma tecnologia estabelecida há muito tempo e avanços recentes a tornam tão segura quanto uma transfusão de sangue. A técnica não é nova, é similar à produção do soro antiofídico contra veneno de cobra, mas é animador verificar que também funcionou contra o coronavírus.

Foi desenvolvida em 1891 para o tratamento de difteria – doença que na época matava muitas pessoas e para a qual não havia vacina – e rendeu a seu criador, Emil von Behring, o Prêmio Nobel de Medicina em 1901. Mais recentemente, a estratégia também foi usada na epidemia de SARS, em 2002, e em casos de varicela zoster.

A aplicação mais comum do método no Brasil é o soro antiofídico. Nesse caso, anticorpos produzidos por cavalos expostos ao veneno são transferidos para pacientes picados por cobras. Diferentemente do experimento realizado com Covid-19, no caso do soro antiofídico os anticorpos neutralizam o veneno da cobra e não um vírus.

Após a retirada desse sangue, é isolado o plasma onde estão presentes anti corpos contra o coronavírus produzidos por estes pacientes e inoculados em pacientes doentes que não respondem a nenhum tipo de medicamento. Estes anticorpos têm uma especificidade para o coronavírus e atacam de forma implacável o invasor”,relata o bioquímico e ortomolecular Moacir Rosa.

Segundo ele, a descoberta passou sem chamar a atenção da grande imprensa que não noticiou a descoberta, mas foi publicada pelo JAMA (Journal of the American Medical Association), a revista médica mais prestigiada do planeta, o que revela a importância do estudo. “É impressionante os resultados da pesquisa, todos os pacientes que não respondiam a nenhum tratamento e portanto poderiam ter um desfecho grave, se recuperaram com o soro”, relata Moacir.

Mas ele adverte que não se trata de cura nem de um tratamento definitivo. “A pesquisa publicada usou uma amostra estatística muito pequena (5 pacientes), sendo necessário replicar a técnica para mais dados, mas é mais uma arma no arsenal terapêutico contra o coronavírus”, ressalta.

Protocolo para fornecimento do plasma

A FDA anunciou que está trabalhando em colaboração com o governo, a indústria e a academia para desenvolver e implementar um protocolo para o fornecimento desse plasma. A princípio, ele será usado apenas em pacientes em estado crítico. A agência americana antecipa que o esforço será capaz de mover milhares de unidades de plasma para pacientes que precisam delas nas próximas semanas.

As autoridades de saúde de Nova York esperam recrutar pacientes com covid-19 de New Rochelle – marco zero para a infecção do estado e área com a maior número de pessoas que se recuperaram – para ver se algum deles estaria disposto a se tornar doador viável.  Além dos pacientes em estado grave, Arturo Casadevall, especialista em doenças infecciosas da Escola de Saúde Pública Johns Hopkins, propôs o uso de plasma convalescente para impulsionar o sistema imunológico de profissionais de saúde e socorristas.

Ele reuniu uma equipe de médicos e cientistas de todo os Estados Unidos para estabelecer uma rede de hospitais e bancos de sangue que podem coletar, isolar e processar plasma sanguíneo dos sobreviventes da covid-19. “A capacidade de realizar um teste de profilaxia nos dirá se o plasma é eficaz na proteção de nossos profissionais de saúde e socorristas da covid-19 “, disse Casadevall.

Com Agência Fapesp, SES-RJ e outras agências (atualizado em 13/04/2020)

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