‘Ouvia vozes dentro da minha própria cabeça, me culpando por tudo’

Ativista do Setembro Amarelo conta como tentou suicídio e incentiva vítimas de depressão e transtornos psiquiátricos a buscar ajuda

Francis Souza, de 33 anos, conta com exclusividade ao Vida & Ação o que passava pela sua cabeça quando tentou o suicídio (Foto: Acervo pessoal)
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Francis Souza, de 33 anos, conta com exclusividade ao Vida & Ação o que passava pela sua cabeça quando tentou o suicídio (Foto: Acervo pessoal)
Francis Souza, de 33 anos, conta com exclusividade ao Vida & Ação o que passava pela sua cabeça quando tentou o suicídio (Foto: Acervo pessoal)

Tudo começou com problemas digestivos, que evoluíram para um medo descomunal e uma vontade de se isolar de tudo e de todos. Há quatro anos, ela sucumbiu à depressão, ao transtorno de ansiedade à síndrome do pânico e atentou contra a própria vida. Pensou em se atirar na frente dos carros na movimentada Avenida Brasil. Acabou recorrendo a um coquetel de remédios controlados. Mas foi a lembrança do filho, na época com apenas 3 anos, que a levou a desistir e pedir ajuda. Por pouco, conseguiu ser salva por uma amiga (os anjos existem e estão sempre à nossa volta).

Hoje, após passar por tratamento na Clínica Jorge Jaber, Francis Souza, de 33 anos, se transformou em uma ativista na luta para vencer o preconceito em torno de doenças mentais que levam ao suicídio. Tatuou no pulso um ‘ponto e vírgula’, símbolo de uma campanha que nasceu em 2013 nas redes sociais. Chamado de Project Semicolon (Semicolon é ponto e vírgula em inglês), o movimento americano quer trazer amor e esperança para quem tem tendências depressivas, suicidas ou a automutilação. “O ponto e vírgula é usado quando um autor poderia ter escolhido terminar uma frase, mas optou por não fazer, ele continua. O autor é você e a sentença é a sua vida”, diz Amy Bleuel, criadora do projeto.

Francis Souza se tornou una ativista do movimento no Brasil e, especialmente, no Rio de Janeiro. Participou recentemente da campanha Setembro Amarelo, de prevenção e conscientização sobre o suicídio. E conta que é preciso, mais do que muita força de vontade para lutar, de ajuda profissional. “A luta é diária! Por quanto tempo? Não sei!  Tenho uma certeza: a minha vida vale muito mais que todos os problemas do mundo!”, desabafa. Confira o relato dela exclusivamente para Vida & Ação.  

“Me chamo Francis Souza, tenho 33 anos e hoje vou contar não uma história, mas algo que aconteceu comigo. Há quatro anos me deparei com problemas de início digestivos. Fui ao especialista e logo ele descartou qualquer problema. Sentia enjoos, náuseas, tonturas e vômitos. Ele me indicou um neurologista, dizendo que o problema poderia ser do sistema nervoso. Pois bem, fui e logo também foi descartado novamente qualquer problema.

Aí veio o início da luta… Ele me encaminhou a um psiquiatra!  Eu disse, imediatamente: “Doutor, não sou louca!”. O preconceito partiu da minha parte! Ele insistiu e eu repetia: “Não, isso não é pra tanto!”. Após a piora dos sintomas, agora com desmaios e perda generosa de peso, fui ao bendito psiquiatra. Na minha mente seria mais um especialista a dizer que não havia nada de errado. Que nada! Na primeira consulta já fui diagnosticada com DEPRESSÃO! Já me tirou imediatamente do trabalho e comecei o tratamento com medicamentos controlados. Para minha surpresa porque não aceitava o diagnóstico.

Foi uma fase difícil. Interrompia o tratamento diversas vezes achando que estava bem. Isso só piorou meu quadro. Cada vez que fazia isso os medicamentos ficavam mais ineficazes e as dosagens aumentavam. Foi me dando anorexia nervosa. Já não conseguia me alimentar. Por inúmeras vezes fui ao pronto atendimento para reidratação. Fui sem perceber alimentando dores, mágoas, raiva, medo…

Dentro desse período tive perdas inestimáveis de parentes e amigos, divórcio, mudança de padrão de vida. Me sentia culpada por tudo o que acontecia comigo e até com problemas que não eram meus. Os pensamentos negativos iam cada vez mais além… Cheguei a ouvir vozes dentro da minha própria cabeça, me culpando por tudo. Acreditava friamente que não tinha mais jeito. Odiava a luz, coloquei o armário de frente pra janela…

Amava dias frios e nublados, que na minha mente me levavam a acreditar que as pessoas sentiriam o mesmo desânimo que eu! Pois era assim que me via: cinza… Até que alimentei tanto esses pensamentos negativos que as vozes foram além do meu controle. Elas já diziam para por fim à dor, ao sofrimento.

Já havia me isolado do mundo. Para algumas pessoas fingia uma felicidade porque tinha pavor que tivessem pena de mim. O preconceito vinha de todas as partes: “Isso é falta do que fazer”, “É falta de Deus”, “Quer chamar a atenção”, “Tão bonita? Reage!”. Tudo isso como se eu pudesse mudar… Como eu queria acreditar. Mas isso só me deixava pior… As vozes diziam: “Além de doente, infeliz, você é fraca!”

Francis Souza se tornou ativista de campanhas de combate ao suicídio e participou recentemente das ações do Setembro Amarelo (Foto: Acervo pessoal)
Francis Souza se tornou ativista de campanhas de combate ao suicídio e participou recentemente das ações do Setembro Amarelo (Foto: Acervo pessoal)

Foi quando no dia 26 de março as vozes me levaram a planejar algo para acabar com o peso que carregava…. Sentada em frente à minha casa, no bairro de Vila Kennedy, de frente a Avenida Brasil, uma das mais movimentadas do estado, pensei em me jogar. Logo veio a imagem de um acidente visto por mim. Pensei no corpo sendo retirado com uma pá, pois não havia sobrado nada. Isso me recuou, pois queria o meu caixão aberto.

Entrei em casa, mas as vozes não paravam. Eu só queria por fim à dor, ao meu sofrimento! Ninguém me entendia… Perdi a fé! A vontade de viver ainda existia… Mas os problemas e as dores que pra muitas pessoas não eram nada estavam me dilacerando. Frustrada com o que estava vivendo, logo eu que sempre fui ativa, independente, me deparava de precisar de ajuda até pra levantar da cama! Me sentia humilhada em ter que pedir ajuda.

Me calei por muito tempo ao ponto de os fantasmas da mente tomarem conta dos meus atos. Entrei pela sala, beijei meu filho – na época com 3 anos -, passei pela cozinha. Minha amiga estava fazendo meu prato preferido pra ver se eu conseguia me alimentar, mesmo vomitando depois. Já estava desnutrida e pesando 43 kg com uma altura de 1,63 metro.

Fui para a minha caverna. Era assim que chamava meu quarto, pois quando entrava ali não atendia ninguém, não via ninguém, não falava com ninguém. Só tinha um pensamento: acabar com a dor que só eu sentia. Fui tirando lentamente os meus medicamentos, todos controlados, e fui ingerindo, num surto de que essa era a solução de tudo. Não tinha outros pensamentos só em “POR FIM À DOR E AO PESO QUE SENTIA”.

Após tomá-los, gritei: “ACABOU!” Minha amiga veio ao meu socorro …. Não acreditava que havia chegado às vias de fato! Me levou a um vizinho aonde tive uma crise de vômito e eliminei os medicamentos ingeridos. Hoje, digo que graças a Deus tive a oportunidade de sobreviver! E se os planos tivessem dado certo? Não veria mais meu filho, hoje com 7 anos.

Entrei em contato imediatamente com a Clínica do Dr. Jorge Jaber, aonde fui internada. Por vergonha pedi pra ninguém falar sobre a tentativa de suicídio. Mais uma vez o tabu foi acionado. Todos achavam que estava apenas me tratando da depressão, síndrome do pânico e da ansiedade. Minha mãe só veio a saber pela clínica o verdadeiro motivo da internação. Tinha vergonha de falar e sentirem mais uma vez pena de mim…

Dois meses de tratamento e um de hospital dia. Ao sair continuei sem falar sobre a tentativa de suicídio. Já tinha vergonha. Hoje, depois de alguns anos, continua minha luta contra a depressão, síndrome do pânico e SPA, mas quando vêm os pensamentos negativos, costumo dizer: “Acendo a luz vermelha!” E busco ajuda de amigos. Não fico sozinha. Penso em coisas positivas… Falo!

A luta é diária! Por quanto tempo? Não sei!  Tenho uma certeza: a minha vida vale muito mais que todos os problemas do mundo! Os problemas são resolvidos, esquecidos, a curto ou a longo prazo… Mas a VIDA NÃO! Só temos uma!  Falar sobre a minha tentativa de suicídio tem me ajudado bastante porque sei que não faço parte da estatística de mortos por esse motivo… Além de entender agora que com meu caso pessoas possam pensar que NADA VALE O PREÇO DE NOSSAS VIDAS!

Devemos procurar ajuda o quanto antes e perder o próprio preconceito e medo. Doenças mentais e psicológicas deveriam ser tratadas como qualquer outra doença. Só que infelizmente nossa mente não é vista por fora, e se não falarmos o índice de suicídio só irá aumentar. Falo por mim e pela minoria de pessoas que sobreviveram a este ato de fuga! Busque ajuda! Falar é o melhor remédio. Não espere chegar ao ponto que cheguei, a situação pode ser irreversível.

O CVV (Centro de Valorização da Vida) dispõe um programa de apoio a vida gratuito pelo telefone 141. Busque ajuda em qualquer sinal: insônia, distúrbios alimentares (tanto por ganhou ou perda de peso), desinteresse de coisas que antes te traziam satisfação, exclusão social, sono excessivo, pensamentos de sumir, dormir e não acordar… E até mesmo em se matar! São todos sinais que precisamos de ajuda específica (veja aqui como identificar os sinais).

Após todos os acontecimentos as famílias também precisam de apoio e tratamento porque na maioria dos casos eles não sabem lidar com as situações. Hoje conto com meus familiares amigos, além dos médicos, terapeutas e psicólogos. Porque não se trata com soluções rápidas ou mágica. É preciso força de vontade e, principalmente, ajuda!

Não tenho mais vergonha de pedir ajuda.  Não posso trabalhar, pois ainda continuo em tratamento. Meus momentos são de altos e baixos. A precariedade da saúde pública na área de saúde mental é cruel. O órgão do INSS não tratou meu caso como doença, pois justamente não se vê aos olhos nus, mesmo com atestados receitas e todo um histórico. Me encontro sem pagamento, mas contando com ajuda de todos. O que me alegra é saber que posso contar com esses anjos. E não mais me desesperar.  Pedir ajuda não é vergonha. Pedir ajuda é salvar vida!

Ainda tomo meus medicamentos, continuo minha luta diariamente por minha vida, pelo meu filho, e agora para ajudar na prevenção do suicídio! Costumo dizer o lema da clínica sempre: “SÓ POR HOJE VOU SER FELIZ, VOU SORRIR, VOU LUTAR, VOU CONSEGUIR”! Espero ajudar com a historia real da minha vida: #UMA SOBREVIVENTE NA LUTA EM APOIO A PREVENÇÃO DO SUICÍDIO!

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