Elas odeiam flashes, mas revelam suas emoções na pandemia em autorretratos

Fotógrafas do coletivo I Hate Flash saíram detrás das câmeras e foram para a frente para mostrar como se sentem diante das pressões diárias

Para a fotógrafa Julia Assis, "autorretrato veio como uma maneira de sair um pouco e testar um processo de edição novo, com dupla exposição" (Foto: Divulgação)
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A fotógrafa, carnavalesca e body positive carioca Julia Assis é apaixonada por lentes fixas, sombras, janelas e banheiros fotogênicos. Usa o ensaio fotográfico como ferramenta para ajudar as pessoas a verem com novos olhos, a se permitirem e se aceitarem mais. Ela gosta de trabalhar, principalmente, com aceitação do corpo. Então, o nu e o autorretrato sempre foram parte do seu processo artístico, como forma de sair da sua zona de conforto.

Para mostrar as várias facetas femininas e investigar o que é ser mulher na sociedade atual, as fotógrafas do coletivo I Hate Flash realizaram um ensaio de autorretratos. Elas saíram detrás das câmeras e foram para a frente com intuito de revelar como se sentem diante das pressões diárias, em meio a uma pandemia, e colocaram em imagens sentimentos que muitas vezes ficam trancados. O resultado foram imagens cheias de significado e força.

Esse ano foi especialmente difícil porque, apesar de a pandemia já estar fazendo aniversário. Nas últimas semanas testei positivo para a Covid, mas sem sintomas. Foi a primeira vez que fiquei totalmente confinada no quarto, sem poder sair nem para o essencial. O autorretrato veio como uma maneira de sair um pouco e testar um processo de edição novo, com dupla exposição”, conta Julia.

Conheça as fotos e relatos de outras fotógrafas do coletivo

Anette: ‘‘Onde enterrar palavras que morrem na ponta da língua’ (Foto: Divulgação)

Anette Alencar – Pernambucana que mora no Rio de Janeiro há dez anos. Trabalha com fotojornalismo, registro de performances artísticas, fotografia de eventos e pré-estreias audiovisuais.

Autorretrato: “Esse autorretrato, que chamo de ‘Onde enterrar palavras que morrem na ponta da língua’ é um processo de investigação e costura sobre a minha história e da minha mãe, que morreu no dia que nasci. Ao entrar na banheira fiz um paralelo com a relação de enterrar algo, mas na água, que traz fluidez para tudo”.

Helena mergulhou em memórias e lembranças antigas (Foto: Divulgação)

Helena Yoshioka – Fotógrafa e artista, pesquisa diferentes formatos de mídia, seus limites e potencialidades. Faz parte de projetos que abrangem temas como identidade, ancestralidade, feminismo e política.

Autorretrato: “Esse autorretrato surgiu durante um movimento de aceitação de memórias e lembranças antigas, em que entrei em um movimento obsessivo em relação ao passado na esperança de recuperar os fragmentos e histórias que tinham me passado despercebidos”.

Tainá: ‘Uma vez por mês tem lua cheia no céu e lua cheia aqui dentro’ (Foto: Divulgação)

Tainá Félix – Produtora cultural e do setor audiovisual. Realiza cursos de cinema e é fotógrafa, trabalho em que usa câmeras para expressar seus sentimentos e visão do mundo.

Autorretrato: “A inspiração desse autorretrato foi o fim da minha menstruação. Uma vez por mês tem lua cheia no céu e lua cheia aqui dentro. Uma vez por mês o útero descama e o corpo sente fora. Durante essa fase lunar muita coisa acontece. Os seios doem, o humor muda e o choro vem. Processo que se repete, mas nunca é o mesmo. O meu corpo fala, estou aprendendo a ouvir.”.

Annes: “é quase impossível esconder qualquer inconsciente quando a lente te desnuda” (Foto: Divulgação)

Anne Karr – Diretora de fotografia, criativa de conceito e desenvolvimento de imagem.

Autorretrato: “Não sou muito adepta doa autorretratos porque é difícil abrir a escuta para nós mesmas, como mulheres. Se colocar na frente da câmera é mesmo se enxergar e criar algo imagético que passe a grandeza e diversidade que habitam em nós. O papel alumínio que tem dois lados, o fosco e brilhante, muito utilizado na cozinha, local muito significativo onde por muito tempo a sociedade machista designou ser o lugar de uma mulher, na minha foto entra como objeto de quase coisificação, tampando minha boca, minha fala, me fazendo quase que uma só com a parede da minha casa, porém, vale aqui ressaltar, os olhos continuam fixos e atentos, quase desafiadores. Esse autorretrato também foi feito no contexto da quarentena, mas é incrível a experiência que oferece. É como se fosse quase impossível esconder qualquer inconsciente quando a lente te desnuda. As mensagens que existem dentro de nós cabem muitas óticas. Temos muito o que contar”.

Em noite de estudos durante a pandemia, Laís testa câmera analógica (Foto: Divulgação)

Laís Aranha – Artista, fotógrafa, operadora de câmera e diretora de fotografia há onze anos. Começou na aventura de criar imagens como forma de navegar no mundo e conhecer pessoas, lugares, ouvir e contar histórias.

Autorretrato: “O exercício do autorretrato é uma oportunidade de me vincular comigo, pensar no dilema da autoimagem, de como quero ser vista, como pensamos que nos veem e como queremos que nos vejam. Gosto de trabalhar isso para me colocar no lugar daqueles que fotografo e é doido perceber quanta vulnerabilidade existe do outro lado da câmera. É importante saber como a imagem bate em cheio em cada um. Para essa foto, deixei uma lente analógica antiga na frente da minha câmera digital, ajustei o foco e me coloquei ali na frente das duas lentes, em uma noite de estudos durante a pandemia”.

Clarissa Ribeiro e sua autoimagem (Foto: Divulgação)

Clarissa Ribeiro – Diretora, montadora e artista visual. Atua desde 2017 no I Hate Flash como diretora, editora e produtora de conteúdo e trabalhou com marcas como Nike, Adidas, Coca Cola e Stella Artois.

Autorretrato: “Autorretrato que é selfie que é retrato. Minha intenção nesse experimento foi tensionar os limites entre realidade e virtualidade, alargar o que sou eu, o que é minha autoimagem e o que eu quero que as pessoas acessem de mim. A iluminação magenta vem para trazer uma certa aura de misticismo e magia, para lembrar-nos sempre de prestar atenção no nosso lado espiritual e não sucumbir às perversidades dos padrões de beleza hegemônicos que o capitalismo impõe sobre nossos corpos e desejos”.

Desafios durante confinamento dão origem a livro de autorretratos

Mais do que produzir algo autoral, o coletivo I Hate Flash surgiu para aguçar a criatividade dos colaboradores, que estava “represada”, já que eles passaram por um longo período sem conseguir trabalhar em shows e eventos – esses ainda cancelados – e até em jobs com marcas, que foram congelados por um longo período. Assim, surgiram os I Hate Challenges, desafios em que um tema era escolhido e os profissionais “se viravam” para criar a partir dele.

Durante esses desafios, o sócio fundador e fotógrafo do IHF, Fernando Schlaepfer, acabou criando, naturalmente, para ele mesmo, autorretratos feitos diariamente. “Escolhi isso principalmente pensando que não queria parar de criar imagens nesse período isolado. Eu teria que me virar com os cantos do meu prédio e o pior modelo que já fotografei na vida – também conhecido como eu mesmo”. O que era para durar pouco mais de um mês acabou se transformando em um ano inteiro, em que a imaginação e produtividade mantiveram a cabeça do fotógrafo ocupada, principalmente nos momentos mais difíceis.

A ideia despretensiosa virou um projeto e, dele, nasceu o livro “Autorretratos de Um Isolamento”. Com incentivo da DreamBooks, a obra é uma maneira de apoiar o precarizado mercado de arte do país e colaborar com uma causa social: a ONG Comunidade Santo Amaro Contra o Covid. Todo o lucro das vendas da obra, que varia entre R$ 338,80 e R$ 422,10, de acordo com o modelo escolhido, é convertido em cestas básicas, produtos de higiene básica e água para comunidades mais afetadas pela pandemia.

Por enquanto, a compra pode ser feita apenas pelo computador, no site da DreamBooks. Estão disponíveis quatro versões, com quatro capas e contracapas diferentes, todos em papel seda, aquele com super qualidade que dura a vida toda. E como 2020 não foi fácil para ninguém, mas ainda assim tem muita gente querendo ajudar o próximo de alguma maneira, foi criado o cupom “anendfor” que dá 55% de desconto na compra.

Além disso, todos os I Hate Challenges de 2020, que deram o impulso para a criação do livro, estão nas redes sociais do coletivo. Entre os sucessos – tanto para quem produziu quanto para os seguidores – estão os temas do mês do orgulho LGBTQIA+, o da reprodução de capas de discos icônicos, de cenas de filmes clássicos e até releituras de obras de arte. Tudo isso feito dentro de casa, com talento e atuação dos próprios profissionais.

Com Assessoria

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