Jovem que teve direito a aborto legal cerceado por padre aguarda indenização

Casal de Goiás trava batalha judicial há 12 anos. Fundo Vivas – Pelo Direito ao Aborto Legal e Seguro vai ajudar em casos como este

Tatielle Gomes teve aborto interrompido por causa de liminar — (Foto: Reprodução/Fundo Viva)
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No Brasil, o aborto é legalmente permitido em três casos: quando há risco à vida da mulher, em casos de anencefalia do feto e em gravidez decorrente de estupro. Mas nem sempre mulheres em gestação enquadrada nesses casos têm o direito ao aborto legal e seguro. Foi o que aconteceu com um casal de Goiás cujo procedimento de aborto, autorizado pela Justiça, acabou interrompido por uma ação judicial impetrada por um padre.

Em 2005, então com 19 anos, ao fazer o acompanhamento pré-natal, a jovem Tatielle Gomes Lomeu teve constatada a síndrome do cordão umbilical curto ou “body stalk”, na qual o feto não desenvolve órgãos como pulmão e tórax e não há possibilidade de vida fora do útero. Com o diagnóstico comprovado por outros três médicos, ela e seu marido solicitaram autorização judicial para interromper a gestação.

Internada num hospital, ela passou a receber medicação para induzir o aborto. No terceiro dia, o procedimento foi interrompido devido à imposição de habeas corpus suspendendo a autorização judicial. O pedido de HC foi impetrado pelo padre Luiz Carlos Lodi da Cruz, presidente da Associação Pró-Vida de Anápolis (GO), em 2005. O padre, à época estudante de Direito, sequer conhecia Tatielle e nunca teve contato com ela.

Enviada para casa, Tatielle passou mais sete dias sentindo as dores do trabalho de parto, até dar à luz um feto que morreu pouco depois. Eles tiveram sentença desfavorável na primeira e segunda instâncias, levando-os a recorrer ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal. O entendimento foi que a interferência do padre, traduzida no seu abuso de direito de ação por impetrar o habeas corpus que impediu o abortamento, teve como consequência intenso e prolongado sofrimento emocional ao casal.

Tatielle e o marido tiveram então sentença favorável de R$ 398 mil de indenização determinada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). No entendimento do STJ, ao tentar impor seus próprios valores à decisão tomada pelo casal, o padre violou a proteção constitucional aos valores da intimidade, da vida privada, da honra e da própria imagem do casal (art. 5º, X, da CF), fato que impõe responsabilidade pelos danos daí decorrentes.

Padre condenado a pagar indenização alega não ter recursos (Foto: Reprodução de Internet)

Derrota para a Igreja Católica na América Latina

A decisão do STF, à qual não cabe mais recurso, encerra o processo de ação indenizatória iniciada pelo casal há 12 anos. Mas em 2016, ao tomar conhecimento da decisão do STJ, à qual recorreu, o padre declarou que, mesmo que a condenação se confirmasse, o processo seria extinto por ele não possuir bens. A condenação, agora em caráter irrecorrível, atesta que nenhuma mulher pode ser submetida à dor física, ao sofrimento emocional e a danos morais por atitudes inconsequentes de terceiros para impor seus posicionamentos ou valores.

É o primeiro caso que eu tenho conhecimento de uma sentença, na América Latina e no Caribe, dessa proporção contra a Igreja Católica. A medida tem um papel inibidor da voz da igreja, no que diz respeito a causar danos morais às mulheres. Esse padre parou de fazer habeas corpus, desde então. E, no meu entender, deverá cercear as ofensivas religiosas sobre o espaço público”, diz a antropóloga Debora Diniz, cofundadora do Anis – Instituto de Bioética.

Fundo ajudará mulheres que precisam de aborto legal e seguro

Por ter conhecimento de que casos como esse não são exceção em nosso país, o Instituto AzMina Anis – Instituto de Bioética se uniram para criar o “Fundo Vivas – Pelo Direito ao Aborto Legal e Seguro” com o propósito de amparar mulheres que tenham o seu direito ao aborto nos casos previstos em lei cerceado. O lançamento oficial acontece neste Dia de Luta pela Descriminalização do Aborto (28 de setembro).

O objetivo do Fundo é ajudar meninas e mulheres vítimas de violação de direitos para que tenham acesso a atendimento psicológico, assessoria jurídica quando necessária, cobertura de custos como deslocamento necessário para realizar o procedimento de aborto legal em outra região.

Para arrecadar recursos lançam uma campanha de financiamento coletivo, na plataforma Catarse (link aqui ). As doações podem ser feitas a partir de R$ 10,00, diretamente na plataforma de crowdfunding, Doações mais altas contam com recompensas como pôsteres, calcinhas menstruais e um curso sobre direitos sexuais e reprodutivos com Debora Diniz.

A metade do valor arrecadado será usada como adiantamento de parte do valor a que o casal de Goiás tem direito e será devolvida ao fundo quando eles receberem a indenização judicial. O vídeo de lançamento do fundo pode ser acessado em aqui.

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