Morte de professor em escola abre debate sobre saúde mental

Gil, que sofria de depressão, interrompeu a vida em sala de leitura. Psicanalista fala da banalização da doença e critica medicalização

Gilberto Gil era professor de Matemática e ultimamente atuava na sala de leitura da escola (Foto: Reprodução de internet)
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Escola, espaço da troca, conhecimento, construção de laços afetivos, criações… Mas, neste dia 15, à tarde, recebemos a triste notícia da morte do professor Gilberto Gil, dentro da sua UE. Professor lutador, ótimo profissional da Educação, mas que infelizmente não exercerá mais o ofício do Magistério entre nós e nossos alunos, profissão que, com certeza, abraçou dignamente!”.

Gil lecionava Matemática e era querido pelos alunos (Reprodução de internet)

Com esta mensagem pública, o Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro (Sepe-RJ) comunicou a morte do professor que era querido pelos colegas e pelos alunos da Escola Municipal Maria Florinda Paiva da Cruz, no bairro de Jacarepaguá, na zona oeste do Rio de Janeiro.  “A Regional VI do Sepe se solidariza, neste momento de muita dor, com a família e comunidade escolar. Prof. Gil Presente! Agora e Sempre!”, completou o sindicato.

Professor de Matemática, Gil – como era mais conhecido – estava afastado das atividades nas salas de aula por questões de saúde. Segundo informações compartilhadas por professores publicamente nas redes sociais, além da depressão, ele enfrentava o tratamento de um aneurisma.

Readaptado, atuava, ultimamente, na sala de leitura da escola, onde, infelizmente, interrompeu a própria vida. Seu corpo foi encontrado com sinais de enforcamento no local na última quinta-feira (15 de agosto). ViDA & Ação não conseguiu contato com a família do professor.

Debate sobre saúde mental nas escolas

A morte do Professor Gil chocou toda a comunidade escolar – alunos, pais, professores, funcionários – não apenas na unidade em que ele atuava, mas em toda a rede pública de ensino do Rio de Janeiro.

Muito triste com a notícia… era um excelente professor carinhoso e dedicado aos alunos… foi professor da minha filha em 2017… esse vazio que o levou a isso só DEUS pode preencher😪”, publicou Danielle Rodrigues, mãe de aluna.

O caso abriu um debate sobre a delicada questão da saúde mental na rede pública de ensino. Afinal, estariam os professores preparados para sofrer as pressões que a atividade exige, em um ambiente e condições de trabalho muitas vezes não apropriados ou mesmo hostis, e, ainda assim, oferecer o suporte necessário a jovens estudantes que cada vez mais se tornam também vítimas de transtornos emocionais?

Não há estatísticas oficiais sobre essa grave questão, ainda cercada de muitos tabus. Mas o fato é que não só professores estão vulneráveis e cada vez mais sofrendo com problemas de saúde mental, que podem levar a atos extremos como este.

Em julho deste ano, um jovem e sorridente estudante de 18 anos, cheio de planos, tirou a própria vida no prédio onde morava, na Tijuca. O caso também deixou todos do colégio particular onde ele estudava em estado de choque.

Na ocasião, estudantes e pais de alunos chegaram a elaborar um abaixo-assinado, exigindo mais psicólogos na escola, mas como o suicídio não ocorreu dentro da unidade, nenhuma medida foi tomada. Procurado pelo ViDA & Ação, o colégio não quis se manifestar sobre a mobilização para a prevenção da saúde mental da comunidade escolar.

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Professores e jornalista criticam o ‘sistema’

Existe na educação escolar uma fragilização dos que a ministram. Um professor ou professora recebem diariamente forte desqualificação pessoal e profissional. O contexto atual corrobora para tal situação. A escola está defasada de valores. O professor devendo ser um mediador do conhecimento, acaba por cumprir funções para as quais não está capacitado. Refiro-me aos cuidados que deveriam advir da família, Estado, formação enfim.

A Escola não dando conta de tais valores, faz o repasse de tais responsabilidades ao educador, gerando grande frustração por parte de todos os indivíduos que dela fazem parte. A insistente busca de se resolver problemas enfrentados dos quais não temos alcance vem causando o adoecimento da classe. Somos os que ainda acreditam que é possível fazer. Mas, antes, existe um processo de desmonte social. É preciso, acredito, repensar a sociedade e redefinir metas” (Elisabete Ribeiro de Meirelles, professora)

“Ontem (dia 15) um professor da rede municipal do Rio cometeu suicídio, dentro da escola. Pensei aqui em como a gente tem descuidado dos nossas colegas de profissão. Como a gente se enfia no nosso próprio mundo e não se envolve, de fato, com aqueles que passam grande parte do tempo ao nosso lado. Eu não sei o que vai ser desse país, mas esse sistema já nos massacra há muito tempo. Por isso, penso que precisamos sorrir e chorar mais com nossos colegas. Tomar pra gente o peso que o “paralisa”, ou “acelera”. Parar e ouvi-lo, não importa o que estejamos fazendo no momento. Não pretendo fazer um discurso moral, só não quero perder mais um professor. A gente faz muita falta, acredite! 😢 #ProfessorGilpresente””, escreveu uma professora em um grupo de whatsapp.

Na minha trajetória já tive amigo professor que morreu de derrame, ataque cardíaco por falta de pagamento, assassinado por dever dinheiro a agiota, suicídio, câncer e assalto a mão armada, além de fãs amigas com violência doméstica. E em todas as vezes me vi em todas as situações… (…) O que leva um professor de Educação Física, um profissional, um educador, a cometer um ato extremo contra a própria vida DENTRO DA SALA DE AULA QUE ELE TRABALHAVA???”, questionou outra professora.

“O que levaria um professor a se enforcar na sala de aula? (…) Porque o SISTEMA está executando os nossos vizinhos.. A falta de comida no prato. A falta de dinheiro para comprar remédios. A grana que falta para a passagem de ônibus ou BRT. A falta de perspectiva para o futuro dos nossos filhos. A ‘arminha’ aparece como uma corda no pescoço. E por que o professor fez isso na sala de leitura? Porque ele afrontou o sistema que o fez subir na cadeira. Fica em paz”, escreveu o jornalista Ricardo França, sensibilizado com o caso.

‘Depressão ainda é vista como preguiça ou desleixo’

Isolamento, ansiedade e desânimo crônico estão entre os sintomas comuns para quem convive com depressão, mas a reação à doença é algo bem particular e em muitas pessoas diagnóstico é difícil.

Só no Brasil, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), já existem cerca de 12 milhões de pessoas com depressão, sendo esse o maior número da América Latina, ficando atrás somente dos Estados Unidos. Ainda segundo a OMS, a depressão será a doença mais incapacitante do mundo até 2020.

Para Guilherme Fainberg, médico psicanalista, a depressão muitas vezes não é vista como doença, mas como preguiça, desleixo ou capricho. “A maneira pela qual é tomada a doença, lembra em muitos aspectos o ‘’passado’’, porque o juízo de valor emitido entra no mérito, na intenção e no caráter do individuo”, ressalta.

Segundo ele,  “há uma banalização da doença e um certo relativismo por uma concepção de tempo distinta. Não se tem o direito ao adoecimento, o excesso de rigor diante do ser fragilizado pela doença ou patologia faz com que este se sinta ainda pior e muitas vezes cometa o suicídio”.

Ainda de acordo com o psicanalista, doenças existem e assolam e devastam vidas. Não escolhem raça, credo ou cor , simplesmente acontecem e são silenciosas de início.

Cada caso deve ser entendido em seu contexto, através de uma ótica singular, levando-se em consideração desde aspectos culturais, orgânicos, epigenéticos e genéticos. Que ao final  desta avaliação o médico suficientemente bom possa, com zelo e extremo bom senso, diferenciar aquilo que é normal do que é patológico em cada um”, destaca.

Banalização da doença x excesso de medicação

Guilherme Fainberg também critica o excesso de medicalização da doença. Segundo ele, nas cidades grandes, capitais, regidas pela primazia da eficácia, qualquer mal como tristezas ou frustrações (que precisam ser vividas, ganham rótulo de depressão, há uma banalização da dor necessária e uma corrida para medicá-la. Nas cidades do interior, mais bucólicas, acontece o processo inverso. Há uma tolerância exagerada, inclusive em casos patológicos como depressão e psicose.

Tristeza não é depressão. Necessitamos elaborar nossas perdas, nossos lutos, nossos infortúnios. Ultrapassá-los pensando repetindo e elaborando acerca dos fatos penosos que nos acometem. A ‘medicalização’ dos sentimentos é uma prática comum e equivocada seja com drogas ilícitas (que porventura ocupam este papel) ou lícitas que não deveriam ser prescritas em dadas circunstâncias”, comenta.

Para o especialista, é necessário ampliar o conceito do auto-perdão. “Vivemos em uma época, aonde precisamos fazer o máximo possível, no menor tempo. Adoecemos assim, por expectativas irreais. Nossos corpos não suportam a falha e o tempo natural das coisas. Não nos perdoamos por errarmos, quando poderíamos ser muito melhores se não quiséssemos ser tão bons, como diria Sigmund Freud, médico neurologista criador da psicanálise. Quando tem-se que escolher uma coisa entre dez, muitos, celebram o infortúnio da certeza que perderam nove. Nos tornamos neuróticos pelo eterno descontentamento”, afirma.

Quando a morte leva um professor

“Quando mais um professor morre, este leva consigo uma parte significativa de ensinamentos e novos aprendizados ficam suspensos na atmosfera da vida”, escreveu Ricardo Rigope no Facebook da escola, em homenagem a Gil. Confira, na íntegra:

Por Ricardo Rigope*

Quando um professor morre,
uma árvore-de-esperança
perde as folhas,
o solo-nutriente ao redor empobrece
e a paisagem fica triste, cinza e empoeirada.

Quando, mais um, professor morre,
este leva consigo
uma parte significativa de ensinamentos
e novos aprendizados ficam suspensos
na atmosfera da vida.

Quando a morte leva um professor,
ela insiste em plurificar
e pluralizar
a sua mensagem de esperança,
a sua mensagem para um amanhã digno,
onde olhares de crianças ascendem o que há.

Em cada retina infantl,
o professor não morre.
Ele renasce com luzes esclarecedoras
e poéticas.

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Nota da Redação:
ViDA & Ação esclarece que não publica casos de suicídio de forma sensacionalista, como, infelizmente,, ainda fazem alguns veículos de comunicação. Seguimos as diretrizes estabelecidas pela Associação Brasileira de Psiquiatria, em manual dirigido aos profissionais de imprensa sobre o tema.
Nosso objetivo ao divulgar fatos como este é exclusivamente lançar luz sobre um grave problema de saúde pública que não pode ser ignorado, no sentido de alertar autoridades e a sociedade em geral sobre a importância da prevenção e cuidados com a saúde mental.
Sugestões de pauta podem ser enviadas para redacao@vidaeacao.com.br.
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