‘Quando estamos em depressão, enxergamos uma realidade distorcida’

‘Sintoma da depressão se confunde com procrastinação ou preguiça’, diz jornalista que escreveu livro sobre o tema em exclusiva ao Ler Faz Bem

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Por Waléria de Carvalho (Especial para o Portal ViDA & Ação)

A depressão é uma doença que chega e vai tirando o foco. É como se você não visse mais o sol e sua vida estivesse sempre nublada ou numa tempestade. Você perde a vontade de fazer as coisas e, às vezes, até de viver. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, mais de 320 milhões de pessoas em todo o mundo sofrem deste mal. No Brasil, 5,8% da população têm a doença, o que significa mais de 11,5 milhões de pessoas. A doença acomete mais a mulheres do que homens. A boa notícia é que tem tratamento com terapia, medicamentos, ajuda da família e muita força de vontade.

A jornalista e roteirista Maria Cecile Azambuja, de 53 anos, viu uma excelente forma de lidar com a doença, que a acometeu em 2013, quando ela percebeu que havia algo errado. Cecile, então, escreveu, durante o tratamento da doença, o livro Tudo Passa – uma  cartografia da depressão. O livro acompanha esse processo e a produção de subjetividade que ele implica, e traz informações e respostas importantes acerca da doença e de seus sintomas. A autora também explica a dinâmica das conexões neurais e como ela interfere no pensar, agir e sentir de uma pessoa.

Veja a seguir uma entrevista exclusiva com a autora para a seção ‘Ler Faz Bem’:

Vida&Ação: Como foi que a depressão entrou na sua vida?

Maria Cecile Azambuja: Eu comecei a me tratar em 2013 quando percebi que estava tendo pensamentos que não condiziam com a realidade. Pensamentos que não eram meus. Mas quando eu percebi isso, eu já estava no auge da angústia, da fragilidade, do choro compulsivo.

Vida&Ação: E como surgiu a ideia de escrever um livro sobre o seu tratamento contra a depressão?

Maria Cecile Azambuja: Foi quando eu senti que compartilhar as observações que eu fazia sobre mim, as pesquisas sobre a doença, e os movimentos que adotava para melhorar minha saúde mental e orgânica, poderiam ajudar outras pessoas que estivessem passando pelos mesmo processo que eu.

Vida&Ação: Qual foi o período mais difícil que você enfrentou?

Maria Cecile Azambuja: Foram as fases em que a anedonia ficava mais presente no meu dia a dia. Anedonia é um dos sintomas da depressão que te deixa sem vontade para fazer as coisas. Você perde o interesse e o prazer que antes sentia. Sua mente até pede para você fazer, mas você não tem resposta do seu corpo para agir. Você não vê necessidade de agir porque não sente a vontade acontecer.  Então, no meu caso, eu fazia um esforço mental e físico para não deixar de cumprir as demandas diárias, principalmente as de mãe.

Eu trabalhava a minha mente e impunha meu corpo a seguir no automático, pois quando você está trabalhando a mente e dá um comando para realizar a ação, você vai. Comparando de forma grosseira, é como fazer um carro pegar no tranco. Muitas vezes esse sintoma é confundido com procrastinação ou preguiça. Mas não é isso, é uma doença e você tem que saber trabalhar ela para não piorar. Se não for trabalhada, a mente vai entender que viver não faz mesmo sentido e começa a querer acabar logo com esse sofrimento de ausência de vida interna.

Vida&Ação: Você falou em demandas de mãe, como foi sua relação com seu filho durante essa época?

Maria Cecile Azambuja: Eu procurei não deixar transparecer minhas fobias sociais, angústias e choros compulsivos na frente dele. Mas as questões, os medos, iam além do meu corpo. Quando eu via, ele estava dando voz aos meus pensamentos. E quando eu começava a perguntar para ele sobre o que tinha falado para mim, ele mudava de assunto e agia como se não tivesse falado nada. Eu entendi, que ele apenas captava meu pensamento e o reproduzia. E como o pensamento não era dele, logo se dissipava na sua mente.  

Vida&Ação: Quando você fala em questões, quais exatamente?

São questões e pensamentos disfuncionais. Quando estamos em depressão, normalmente estamos enxergando uma realidade distorcida, alterada. E essa realidade passa a ser uma verdade. Você questiona o seu passado, aquilo que podia ter sido e não foi, põe à prova o seu futuro e ignora o seu presente.

Vida&Ação: Por que você escolheu a frase ‘Tudo Passa’ para título do seu livro?

Essa frase foi libertadora para mim. Se tudo na natureza passa, como nós podemos ver diariamente, por que o mesmo não pode acontecer na natureza humana?

Vida&Ação: Explique melhor a palavra cartografia como subtítulo do livro.

Cartografia é a arte, ou ciência, de representar uma realidade que pode ser de um território físico ou de expressão. E quando terminei de escrever o livro, percebi que eu agira, durante o período de tratamento da depressão, como um cartógrafo que no final da sua jornada, produz conhecimento sobre o seu objeto de trabalho. Ou seja, ele interpreta uma determinada realidade com todos os aspectos geográficos, climáticos, políticos, sociais ou econômicos, por exemplo, que variam de acordo com o tema do assunto em questão, e depois a codifica num mapa gráfico.

Vida&Ação: Como foi descobrir que você tinha um comportamento ciclotímico, que é a forma mais leve do transtorno bipolar?

Maria Cecile Azambuja: Não foi fácil. Porque, além de ter que lidar com o que eu fiz no passado, tinha agora que saber lidar com essa informação no presente. Com esse diagnóstico eu comecei a rever atitudes minhas que eu considerava uma característica da minha personalidade, como sendo volúvel afetivamente, por exemplo. O bom é que eu pude resolver isso com a terapia cognitiva comportamental, que me ajudou muito nesse sentido.

Vida&Ação: Que mensagem você gostaria de deixar para as pessoas que estão nos lendo?

Maria Cecile Azambuja: A depressão é um estado que pode ser vencido, mas para isso é preciso se tratar. Então, não desistam porque tudo passa. 

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