Brasil vive risco de aumento indiscriminado das taxas de cesárea

Alerta é da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo (Sogesp) sobre Projeto de Lei da deputada Janaína Paschoal

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Se for aprovado, o Projeto de Lei 435/2019, de autoria da deputada Janaína Paschoal,  terá como uma das prováveis consequências o aumento indiscriminado nas taxas de cesárea. O alerta é da SOGESP (Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo) que emitiu nota criticando a discussão sobre a escolha pela cesariana para o momento do trabalho de parto, o que pode interferir no exercício da autonomia.

Registra ainda que a afirmação de que reduzirá o número de casos de paralisia cerebral não encontra amparo na literatura médica; assim como fazer afirmações sobre a possível redução de casos de paralisia cerebral com a opção pela cesariana, sem apoio na literatura médica, também compromete o acesso à informação de qualidade para que as gestantes possam exercer plenamente sua autonomia.

Passar para a gestante a informação, sem embasamento científico, de que a escolha pela cesárea poderá evitar a ocorrência de paralisia cerebral e de óbito fetal é responsabilizar a mulher pela possível ocorrência de um desfecho desfavorável caso ela opte pelo parto normal”, alerta a nota.

Abaixo, a nota na íntegra:

Posicionamento da SOGESP em relação ao PL 435/2019 

A SOGESP vem esclarecer seus associados e a população do Estado de São Paulo os motivos que a levaram a se posicionar contra a aprovação do PL 435/2019, na forma como este foi apresentado.

É importante dizer que em nenhum momento a SOGESP se posiciona contra o respeito à autonomia da mulher no sistema público e privado, e muito menos quanto à ampliação do acesso à analgesia de parto.

Porém, o PL e as justificativas apresentadas pela própria deputada, em seus pronunciamentos na ALESP e em vídeos e textos em redes sociais, não são condizentes com as evidências científicas existentes.

Desde o momento que tomou conhecimento do PL 435/2019 (10/04/2019) a SOGESP tem procurado apontar a necessidade de análise e discussão mais profunda deste projeto. Enviamos solicitação de reunião com a deputada em (18/04/2019); enviamos à deputada algumas sugestões sobre o texto e proposta para discussão ampliada do projeto, protocolamos na ALESP (07/06/2019) solicitação para que o regime de urgência não fosse aprovado, nos reunimos com outros deputados e finalmente em 17/06/2019, em reunião com a deputada Dra Janaína Paschoal, apresentamos pessoalmente as argumentações científicas aqui detalhadas.

Não há clareza em relação os termos utilizados no PL e, portanto, é impossível determinar para que casos o projeto de lei de destina. Os termos cesárea eletiva (cesárea programada com indicação médica); cesárea a pedido (cesárea programada, durante o pré-natal, em situações onde não há indicação médica) e cesárea de emergência (aquela realizada quando se observa algum quadro clínico materno ou fetal que a justifique, durante o trabalho de parto ou fora dele, portanto com indicação médica) são confundidos nas falas apresentadas pela autora da proposta nas audiências da ALESP e nas redes sociais.

A falta de definição precisa destes termos já impede, ao menos, a aprovação apressada e sem adequações no texto do PL. Se a falta de definição correta dos termos a serem colocados no PL é algo grave, levar a discussão sobre a escolha pela cesariana para o momento do trabalho de parto pode interferir no exercício da autonomia. 

Para exercer a autonomia é importante compreender claramente os riscos e benefícios das opções e, assim, poder escolher livremente entre as alternativas. Neste sentido, não há como negar que o exercício da autonomia fica extremamente prejudicado caso a decisão seja tomada durante o trabalho de parto, entre as contrações dolorosas, e em um momento de extrema vulnerabilidade.

Além disso, há evidências científicas de que o aumento de taxas de cesárea não leva à redução da morbi-mortalidade perinatal. E a afirmação de que a realização de cesarianas (por solicitação da paciente inclusive durante o trabalho de parto) reduzirá o número de casos de paralisia cerebral não encontra amparo na literatura médica.

Ao contrário, há dados na literatura médica que comprovam que o aumento nas taxas de cesariana não traz modificações na ocorrência de paralisia cerebral. Isso inclusive motivou a realização de estudos que permitiram que se concluísse que somente 10% dos casos de paralisia cerebral são associados a eventos durante o parto. Os demais casos (90%) têm causas genéticas, e alterações durante o pré-natal ou após o nascimento.

Fazer afirmações sobre a possível redução de casos de paralisia cerebral com a opção pela cesariana, sem apoio na literatura médica, também compromete o acesso à informação de qualidade para que as gestantes possam exercer plenamente sua autonomia. Não há dados sobre as taxas de paralisia cerebral no Estado de São Paulo, bem como não há estudos que determinem se a ocorrência deste evento é maior ou menor em hospitais públicos ou privados no Estado. Há apenas impressões pessoais.

Sem dados concretos, tomar decisões e propor projeto de lei sobre um evento extremamente grave, mas pouco frequente e de causa multifatorial é muito temeroso e de certa forma irresponsável com a saúde pública. A análise do impacto de um projeto de lei é de responsabilidade de seu proponente e aprovação do projeto com tramitação em regime de urgência impossibilita o aprimoramento da proposta que só é possível pela escuta e pelo debate ampliado.

Passar para a gestante a informação, sem embasamento científico, de que a escolha pela cesárea poderá evitar a ocorrência de paralisia cerebral e de óbito fetal é responsabilizar a mulher pela possível ocorrência de um desfecho desfavorável caso ela opte pelo parto normal. 

Não podemos culpabilizar as mulheres por eventuais intercorrências e muito menos propor soluções sem embasamento científico, temos sim que continuar a trabalhar pela melhoria da assistência tanto no sistema de saúde público como no privado. Uma das prováveis consequências deste projeto será o aumento indiscriminado nas taxas de cesárea. Este fato também não foi analisado de forma adequada, inclusive com planejamento sobre seu impacto em relação às complicações da cesariana como maior risco de hemorragia e infecção; especialmente quando o procedimento é realizado durante o trabalho de parto. Justifica-se que as taxas de complicações de cesáreas a pedido (programada durante o pré-natal, fora de trabalho de parto e sem indicação médica) são semelhantes àquelas relacionadas ao parto vaginal programado, porém o projeto prevê a realização de cesárea por solicitação da mulher durante o trabalho de parto. E não há estudos na literatura e nem análises no Estado de São Paulo sobre este tipo de intervenção (cesárea por solicitação materna durante o trabalho de parto), não sendo possível prever as consequências deste PL para a saúde da mulher e para o sistema de saúde do Estado.

Lembro aqui que este projeto de lei se aplica ao SUS e que não houve análise sobre o número de leitos, especialmente de UTI, que podem ser necessários e se há leitos disponíveis, ou sobre como será estruturado o sistema de saúde para cumprir esta lei. Importante pontuar também que não houve qualquer avaliação sobre o impacto desse PL e do aumento do número de cesáreas na mortalidade materna. O Estado de São Paulo tem apresentado aumento significativo de sua razão de morte materna que em 2012, era de 35/100.000 nascidos vivos e que, em 2017, ultrapassou 50 mortes maternas /100.000 nascidos vivos. No Estado de São Paulo a segunda causa de morte materna são as hemorragias. É sabido que o aumento de cesarianas está associado à placenta prévia, acretismo placentário, e, portanto, a hemorragias após o parto. Um projeto de lei que aumenta taxas de cesarianas e, com isso, o risco de acretismo placentário e consequentemente, de morte materna, sem análise mais profunda, não irá colaborar para a melhoria da saúde de nossas mulheres e pode ainda colocá-las em risco. Neste momento em que, temos um número inaceitável de morte materna no nosso Estado, as ações precisam ser voltadas para a redução da morte materna e não para o seu possível aumento.

Assim, considerando o anunciado compromisso da nobre deputada com a saúde da mulher e do recém-nascido, a SOGESP vem mais uma vez, agora publicamente, solicitar à Deputada Janaina Paschoal que retire o PL 435/2019 da pauta de votação e do regime de urgência e promova uma discussão ampla baseada em evidencias científicas e nos dados epidemiológicos do Estado de São Paulo.

É responsabilidade da SOGESP a análise crítica desta proposta, em cumprimento ao seu objetivo de promover o estudo, a pesquisa e a discussão de assuntos atinentes à obstetrícia. Assim, a SOGESP coloca-se à disposição para contribuir para aprimorar a discussão com todas as iniciativas que tenham por objetivo a melhoria da atenção à saúde da mulher. Vale salientar que a contribuição da SOGESP é de ordem científica, portanto sem nenhum vínculo com qualquer partido político, e tem como objetivo salvaguardar a vida de mulheres e de seus filhos e garantir melhoria dos indicadores de saúde de nosso Estado.

Atenciosamente

Rossana Pulcineli Vieira Francisco – Presidente

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