Um ano de pandemia: ‘Parece que não vai acabar nunca’

Desabafo é de médica intensivista, após um ano de pandemia, em meio à segunda onda da Covid-19 em hospital estratégico para o SUS no Pará

A médica intensivista Lívia Corrêa de Castro, falou sobre sua atuação na UTI após 1 ano de pandemia (Foto: Divulgação)
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No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou oficialmente a pandemia da Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2). No Brasil, a primeira morte causada pelo inimigo letal e invisível aconteceu um dia depois do anúncio da OMS.

Esta semana em que se completou um ano de pandemia, a médica intensivista Lívia Corrêa de Castro, falou sobre sua atuação, ao som da frequência de batimentos cardíacos dos pacientes nos leitos e com olhar atento a cada um deles, através da parede de vidro da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Adulto.

Dra Lívia tem 12 anos de atuação pela Pró-Saúde – Associação Beneficente de Assistência Social e Hospitalar no Hospital Regional do Baixo Amazonas (HRBA), unidade mantida pelo Governo do Pará, no município de Santarém, que presta atendimento 100% gratuito a uma população de 1,3 milhão de pessoas residentes em 30 municípios do Oeste do estado.

Depois de uma longa jornada de plantão no dia anterior, ela parou suas atividades por alguns minutos para destacar os principais desafios vivenciados nesse tempo de pandemia, antes de iniciar a visita médica do dia. A médica conta que os profissionais não imaginavam iniciar 2021 de um jeito tão difícil quanto foi o ano anterior.

“Nessa segunda onda temos recebido doentes mais graves, com um número maior de pacientes adoecendo. Classifico essa segunda onda como bem pior do que a primeira”, destaca.

Medo do desconhecido

A médica intensivista comenta que, quando os primeiros casos começaram a chegar à unidade, que é referência para tratamento da Covid-19, mesmo com os treinamentos prévios, a ansiedade diante do desconhecido era uma realidade.  “No início a gente tinha muito medo de se contaminar, medo de sair na escala do plantão, medo de levar a doença para nossa família em casa”, explica.

Medos que permanecem até hoje, mas que não são maiores que um único sentimento: “Medo de não acabar, parece que não vai acabar nunca. A gente não para de receber paciente. A impressão que temos é que não está acabando e que estamos lutando contra um inimigo invencível”, afirma a médica.

“Apesar de termos a experiência de um ano atrás, temos muitas batalhas dentro da UTI. É uma luta pessoal porque trabalhamos com o cansaço, indo ao nosso extremo”, compartilha. Emocionada e emocionando os colegas da UTI que acompanhavam seu relato, a médica destacou o sentimento dos profissionais da saúde, quando ocorre a perda de um paciente.

“A gente se sente derrotado. É um sentimento de impotência gigante que nos faz pensar se queremos continuar nessa vida, sabe? Então, é muito ruim viver isso. Toda a equipe sofre, é bem complicado”, relata.

Desrespeito da população x famílias desmoronadas

Nestes 12 meses de enfrentamento à pandemia, Lívia relata que as jornadas de plantão na UTI têm sido longas.  Ela conta que diversas vezes, ao sair do hospital, se deparou com pessoas aglomeradas nas ruas, sem máscaras de proteção, marcando encontros e até festas clandestinas e diz ter a sensação de que a população vive em um mundo paralelo, longe do universo que enfrenta uma pandemia global.

“Vivemos uma realidade no hospital em que vemos famílias se desmontando, pessoas morrendo, apesar de todo o nosso esforço. E quando a gente sai na rua, percebe que as pessoas não têm noção da gravidade do que a gente vive hoje”, comenta.

A profissional menciona, inclusive, problemas entre os parentes. “Eu já tive várias discussões com minha própria família, porque percebo que não entendem o que está acontecendo e a gente tenta levar isso para nossa casa. Mas, realmente, quem está fora do ambiente de UTI não tem noção do que esse vírus causa nas pessoas.”

A médica reforça que é um vírus extremamente letal para quem precisa internar num leito de UTI. “É muito triste vermos a rua lotada, gente marcando festa, ficamos nos sentindo um extraterrestre no meio de tudo isso. Parece que nosso trabalho é todo em vão.”
Lívia alerta a população que o vírus veio para ficar, e que é necessário a população aprender a conviver com ele, se protegendo. Para que isso ocorra, a profissional chama atenção para a mudança de comportamento de todos.

“Compreendo que está todo mundo cansado do vírus, da pandemia, mas é preciso entender que há uma nova rotina de uso da máscara, álcool em gel, manter o distanciamento físico. É uma doença devastadora e essa devastação não ocorre só na vida dos doentes, mas na vida da equipe de saúde que cuida de todos”, conclui.

Vitórias dos pacientes

O Regional do Baixo Amazonas já realizou 2.567 notificações no protocolo de Covid-19, efetivando 1.108 internações. Na quinta-feira, 11/3, alcançou a marca de 400 altas de pacientes recuperados da Covid-19.

O empresário Eliésio Gama foi o primeiro paciente recuperado da doença a receber alta médica no HRBA. Com 50% de comprometimento pulmonar, ele passou 12 dias internado.

“Lembro quando estava saindo do hospital, todos com medo. Que bom seria se tivessem continuado com medo, que provavelmente hoje não estaria como está. Se puder, fique em casa, não aglomere e evitem esse vírus”, alertou.

Para Hebert Moreschi, diretor hospitalar do HRBA, o número de pacientes recuperados tem como um dos principais fatores o empenho contínuo da equipe multiprofissional que está na linha de frente de combate à doença.

“São médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem, fisioterapeutas e auxiliares de higiene e limpeza que fazem plantões diários levando assistência segura aos internados. Profissionais que trabalham incansavelmente, com agilidade e competência sempre com foco na resolutividade e humanização”, afirma ele.

A unidade recebeu o primeiro paciente suspeito no dia 19 de março de 2020 e realizou em 1 ano de pandemia diversas mudanças estruturais, para atender casos da doença. “Na primeira fase abrimos 52 leitos para Covid-19. Neste segundo momento, a unidade passou a oferecer 96 leitos, fez adequações para atender os pacientes de outras especialidades”, conta.

O hospital também teve que aumentar a capacidade de disponibilização de oxigênio, contratou mais de 200 novos profissionais, entre outras ações, em busca de prestar assistência de qualidade. “Juntos, cremos que dias melhores virão, com a sensibilização de todos”, conclui Moreschi.

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