Anvisa nega autorização para estados importarem vacina russa

Decisão da Anvisa foi unânime sobre pedido de 9 estados para importação de 30 milhões de doses da vacina russa Sputinik V

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Mais uma derrota na luta dos governadores para ampliarem a oferta de imunizantes contra a Covid-19 no Brasil e acelerar a vacinação no país. O pedido para nove estados importarem emergencialmente quase 30 milhões de doses da vacina russa Sputinik V foi negado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

A decisão sobre o pedido de autorização excepcional para a importação da vacina – desenvolvida pelo Instituto Gamaleya, da Rússia, em parceria com a farmacêutica brasileira União Química – foi tomada por unanimidade pelos cinco diretores da Agência, depois de cinco horas de debates e apresentação de relatórios nesta segunda-feira (26).

Os estados que tiveram seus pedidos rejeitados foram: Bahia, Acre, Rio Grande do Norte, Maranhão, Mato Grosso, Piauí, Ceará, Sergipe e Pernambuco. A deliberação foi marcada dentro do prazo estipulado pela Lei n º 14.124/21, e de acordo com a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, que determinou a análise da questão dentro do prazo de 30 dias. Caso não houvesse essa análise por parte da Anvisa, a vacina poderia ser importada. 

Além desses, também estão com pedidos pendentes de avaliação, ainda dentro do prazo, os estados de Rondônia, Sergipe, Tocantins, Amapá e Pará, e os municípios de Niterói (RJ) e Maricá (RJ). Ao todo, esses pedidos somam 66 milhões de doses, que poderiam vacinar cerca de 33 milhões de pessoas, por meio de duas doses.

A Anvisa apontou que não recebeu relatório técnico capaz de comprovar que a vacina atende a padrões de qualidade e não conseguiu localizar o relatório com autoridades de países onde é aplicada. A agência diz que a maioria dos países que autorizaram a aplicação da vacina não tem tradição na análise de medicamentos. Além disso, em 23 países com contrato, a vacinação não começou.

Imunizante pode trazer riscos à saúde, alertou diretor

O diretor da Anvisa, Alex Machado Campos, que é o relator do pedido, considerou que o imunizante pode trazer riscos à saúde. Além disso, foram apontadas falhas e pendências na documentação apresentada pelo fabricante. Ele se baseou em pareceres técnicos de três gerências da Anvisa, que fizeram uma apresentação no início da reunião. 

Para os pleitos ora em deliberação, o relatório técnico da avaliação da autoridade sanitária ainda não foi apresentado, os aspectos lacunosos não foram supridos, conforme as apresentações técnicas. Portanto, diante de todo o exposto, verifica-se que os pleitos em análise não atendem, neste momento, às disposições da Lei 14.124 e da Resolução da Diretoria Colegiada 476, de 2021, razão pela qual eu voto pela não autorização dos pedidos de importação e distribuição da vacina Sputnik V solicitados pelos estados que já relacionamos”, afirmou o diretor-relator.

O voto do relator foi seguido pelos outros relatores da agência. Antes da votação dos diretores, gerentes de três departamentos da Anvisa apresentaram seus pareceres técnicos contra a compra da Sputnik V. Três gerências técnicas da agência (medicamentos, fiscalização e monitoramento) deram pareceres contra a importação.

Gerência aponta risco a 15 milhões de pessoas

A Gerência de Monitoramento de Produtos Sujeitos à Vigilância Sanitária constatou que não havia informações conclusivas sobre eventos adversos de curto, médio e longo prazos decorrentes do uso da vacina, o que prejudica a avaliação do produto. “Eu chamo a atenção também para que a ausência de dados também é informação. A ausência de comprovação é considerada uma evidência, e uma evidência forte, sobretudo quando temos uma estimativa de população exposta ao risco que beira os 15 milhões de cidadãos”, afirmou a gerente Suzie Marie Gomes.

A Gerência de Medicamentos e Produtos Biológicos da Anvisa apontou diversas falhas de segurança associadas ao desenvolvimento do imunizante. Na mais grave, explicou que o adenovírus usado para carregar o material genético do coronavírus não deveria se replicar, mas ele é capaz de se reproduzir e pode causar doenças.

Em outra avaliação, a Gerência Geral de Inspeção e Fiscalização informou que técnicos da Anvisa não puderam visitar todos os locais de fabricação da vacina durante inspeção na Rússia. A visita ao Instituto Gamaleya, que é o desenvolvedor da vacina e faz o controle de qualidade, foi negada pelo Fundo Russo. A Anvisa também afirmou que não conseguiu identificar os fabricantes da matéria prima da vacina.

Visitas na Rússia fracassaram

A Gerência de Inspeção informou que não foi apresentado o relatório técnico de aprovação do imunizante russo para verificar o controle de qualidade na fabricação. Por causa disso, a Anvisa analisou documentos próprios e de outras autoridades regulatórias internacionais e solicitou a realização de uma inspeção presencial em duas das empresas que fabricam a vacina na Rússia, a Generium e a UfaVITA.

Dos sete pontos previstos, conseguiram visitar apenas três. Essa inspeção foi realizada ao longo da semana passada por três técnicos enviados pela agência. Na visita, de acordo com a gerente de inspeção, Ana Carolina Merino, foram constadas não conformidades na fabricação da vacina, que impactam, entre outras, na garantia de esterilidade do produto. 

Neste momento, o risco inerente à fabricação não é possível de ser superado, tanto para o insumo fabricado pela Generium quanto pelos produtos acabados fabricados pela Generium e pela UfaVITA, então a nossa gerência não recomenda a importação da vacina”, afirmou. 

Adenovírus presente na vacina poderia se replicar

Em sua apresentação, o gerente-geral de Medicamentos , Gustavo Mendes, argumentou que os lotes analisados mostram a presença de adenovírus com capacidade de reprodução no composto da vacina, o que traz riscos à saúde. A tecnologia utilizada na fabricação da Sputnik V é a do adenovírus vetor. Por meio dessa técnica, o código genético do Sars-Cov-2, que é o vírus da Covid-19, é inserido no adenovírus e este, ao ser administrado em seres humanos por meio da vacina, estimula as células do organismo a produzir uma resposta imune. 

O adenovírus é um vírus que possui uma capacidade natural de replicação no corpo humano, mas quando utilizado como imunizante, essa capacidade de reprodução deve estar neutralizada, o que não teria ocorrido no caso dos lotes da Sputnik avaliados pela Anvisa.    

Um dos pontos críticos, cruciais, foi a presença de adenovírus replicante na vacina. Isso significa que o vírus, que deve ser utilizado apenas para carregar o material genético do coronavírus para as células humanas e promover a resposta imune, ele mesmo se replica. Isso é uma não conformidade grave. Esse adenovírus replicante foi detectado em todos os lotes apresentados da vacina Sputnik”, disse Mendes.

Esse procedimento, explicou o gerente-geral, está em desacordo com o desenvolvimento de qualquer vacina de vetor viral, de acordo com os parâmetros de autoridades regulatórias dos Estados Unidos e da União Europeia. Ele alertou que, uma vez no organismo humano, o adenovírus replicante poderia causar viroses e se acumular em tecidos específicos do corpo, como nos rins. 

Aspectos de biossegurança foram aprovados por órgão técnico

A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) havia aprovado os requisitos de biossegurança da vacina Sputnik V. Essa era um condição para a inserção de qualquer organismo geneticamente modificado no mercado brasileiro, a exemplo de vacinas como a Sputinik V. Contudo, o uso do imunizante dependia de aprovação também da Anvisa.

Segundo a CTNBIo, órgão ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), a análise das informações teve início na semana passada. Foram solicitados documentos adicionais à União Química, como informações sobre o método de obtenção de linhagens de adenovírus e a documentação exigida foi entregue.

Os integrantes da Comissão entenderam que os dados complementares atenderam às exigências necessárias para a aprovação. De acordo com a comissão, a aprovação dos aspectos de biossegurança é passo importante para o processo de avaliação e eventual permissão da importação e ou do registro definitivo da vacina.

O pedido de governadores para a importação em caráter especial de doses da Sputnik V não consiste no registro completo e definitivo, mas se baseia na legislação atual voltada para medidas de combate à pandemia, que abre a possibilidade da importação de imunizantes autorizados por órgãos sanitários de uma série de países.

Já a aprovação da CTNBio faz parte das exigências feitas para imunizantes que lidem com organismos geneticamente modificados. Mas a aprovação da CTNBio não é suficiente para a viabilização da importação, do registro em caráter emergencial ou do registro definitivo.

Com G1 e Agência Brasil

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