Infecção pelo vírus ou reação à vacina da febre amarela?

Nova técnica criada pela Fiocruz permite identificar, em até duas horas, se a pessoa foi infectada naturalmente pelo vírus da doença

Laboratório de Flavivírus do IOC
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Uma pessoa apresenta sintomas de febre amarela, mas tomou a vacina. Neste caso, ela foi infectada pelo vírus ou simplesmente sofreu uma reação à vacina contra a doença? A resposta pode estar em um dianóstico desenvolvido pelo Laboratório de Flavivírus do  Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), referência regional para febre amarela junto ao Ministério da Saúde, em parceria com a Universidade de Bonn, da Alemanha.

A novidade vai ajudar a distinguir a origem do caso, para saber se o paciente apresenta o vírus selvagem – aquele em circulação num determinado local, transmitido pela picada de mosquitos – ou o vírus atenuado – que é utilizado na produção da vacina.

“Criamos uma solução que permite dar respostas mais rápidas em termos de diagnóstico. Diante de um surto de febre amarela, a confirmação laboratorial é uma ferramenta importante na definição das estratégias de vigilância da circulação do vírus e  controle da doença”, destacou a virologista Ana Bispo,  chefe do Laboratório de Flavivírus.

Vantagens da nova técnica

Na tradicional técnica de sequenciamento genético do vírus, atualmente disponível para a diferenciação entre o vírus selvagem e o vírus vacinal, o resultado pode levar de três a 15 dias. Já com a nova técnica desenvolvida pela Fiocruz é possível descobrir a origem da doença em apenas uma a duas horas.

Além disso, o procedimento pode ser conduzido por um profissional que domine as técnicas básicas de diagnóstico molecular. Já o método de sequenciamento viral exige profissionais com capacitação específica para análise dos resultados do sequenciamento do material genético do vírus.

Amostras com baixa concentração de vírus

O novo protocolo tem ainda mais um benefício: oferece resultados conclusivos mesmo quando a amostra tem baixa concentração do vírus. Nesses casos, pode não ser possível realizar a análise tradicional diretamente a partir do material clínico, sendo necessária a realização de uma etapa intermediária para isolamento do vírus, que é então replicado em laboratório.

No entanto, a situação se torna um problema na hipótese de um paciente que tenha simultaneamente a infecção selvagem e a vacinal – um paciente, portanto, que é picado por um mosquito com o vírus pouco antes ou pouco depois do momento em que foi vacinado, quando a imunidade provocada pela vacinação ainda não foi estabelecida.

Nessa circunstância, aumentam as chances de que, por conta da etapa intermediária de isolamento viral, seja detectado apenas vírus presente em maior quantidade na amostra, apesar dos dois vírus estarem presentes. Já o novo protocolo de RT-PCR em tempo real diferencial é capaz de detectar ao mesmo tempo a presença dos dois vírus – mesmo que um deles esteja em concentração mais baixa na amostra do paciente.

Vacina é segura e eficaz, mas causa efeitos adversos

A Fiocruz explica que o novo diagnóstico molecular é uma resposta ao crescimento de casos de febre amarela, que levou o Ministério da Saúde a ampliar a vacinação em todo o país. Com isso, aumentam as chances de ocorrência de “eventos adversos”, como são chamadas as reações à vacina, que podem, inclusive, simular a própria doença.

Desde 2017, o Ministério da Saúde distribuiu mais de 68 milhões de doses da vacina aos estados brasileiros – são 52 milhões de doses a mais do que o total distribuído em 2016. Em março de 2018, o MS anunciou que todo o território nacional será área de recomendação para vacina até abril de 2019, com previsão de imunizar mais de 77 milhões de pessoas.

“Medida central para prevenção e controle da doença, a vacina é considerada segura e apresenta eficácia de 95% a 99%. Entretanto, assim como qualquer vacina ou medicamento, pode causar eventos adversos. Nesses casos pouco frequentes, ocorrem sintomas idênticos aos da infecção natural pelo vírus”, explica a Fiocruz, em nota.

 

Entenda mais sobre a técnica

O desenvolvimento e a validação do protocolo estão descritos em um artigo no periódico científico ‘Emerging Infectious Diseases’, publicado pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC).A metodologia de RT-PCR em tempo real é baseada na identificação do material genético do vírus em uma amostra.

Para chegar a um teste preciso, os pesquisadores buscaram regiões do genoma em que o vírus selvagem e a cepa vacinal são diferentes, o que permite a diferenciação entre ambos. Foram criados dois protocolos: o protocolo chamado de ‘alvo único’ (quando há necessidade da realização de duas reações separadas para detectar a presença do vírus selvagem e da cepa vacinal) e de ‘alvo duplo’ (quando a detecção é realizada em uma mesma reação).

O protocolo mostrou ser capaz de detectar o vírus selvagem e o vírus vacinal com alta sensibilidade e especificidade diagnóstica. “Um ponto merece destaque: para garantir que não havia o risco de reação cruzada, foram realizados experimentos com mais de 40 vírus diferentes durante o desenvolvimento do método. Tivemos a grata surpresa de conseguir desenvolver um método inédito de alta sensibilidade, especificidade e rápido para diferenciar vírus da febre amarela selvagem e vírus vacinal”, comemora a pesquisadora. Além disso, o procedimento permite quantificar a carga viral presente na amostra.

Casos suspeitos após vacinação

Atualmente, o procedimento está sendo aplicado no Laboratório de Flavivírus do IOC para caracterizar o tipo de infecção em amostras de casos suspeitos de eventos adversos após a vacinação. O protocolo tem potencial para contribuir especialmente na rotina de esclarecimento de casos suspeitos de eventos adversos à vacinação junto ao Programa Nacional de Imunizações (PNI).

A pedido da Coordenação Geral de Laboratórios de Saúde Pública do Ministério da Saúde (CGLAB), está em curso a produção, em caráter de protótipo, de um kit de insumos para uso no protocolo. Essa etapa está sendo realizada por meio de colaboração do IOC com o Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP).  A perspectiva é de que, no futuro, os insumos possam ser utilizados na rede de Laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacens), que atua no diagnóstico laboratorial de febre amarela.

Benefícios para a rotina dos laboratórios

Para André Luiz de Abreu, da Coordenação Geral de Laboratórios de Saúde Pública do Ministério da Saúde (CGLAB/SVS/MS), a novidade poderá beneficiar a rotina de trabalho em todo o país. “Essa é uma inovação pensada por um Laboratório da rede para aperfeiçoar o conjunto das atividades de diferenciação em diagnóstico da febre amarela. Existe potencial de agilizar o processo em todo o Brasil”, avaliou.

“A exemplo da idealização inédita do desenvolvimento de um teste rápido e sensível capaz de diagnosticar simultaneamente Zika, dengue e chikungunya e hoje disponível na rede de Lacens, a nova proposta desenvolvida no Laboratório de Flavivírus representa mais uma conquista importante para o diagnóstico laboratorial. Novamente, conseguimos obter uma solução concreta para um desafio da rotina dos laboratórios que lidam com o diagnóstico dessas doença”, a virologista detalha.

 

Sobre o Laboratório de Flavivírus

O Laboratório de Flavivírus do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) atua regularmente desde a década de 1990 no diagnóstico laboratorial de amostras de pacientes com suspeita da doença provenientes dos estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais e Bahia. Também realiza análises de amostras de primatas desde 2014.

Além disso, com o aumento do número de casos suspeitos desde 2017, o laboratório foi designado pelo Ministério da Saúde para processar amostras do Ceará e Rio Grande do Norte. Segundo o Ministério, entre junho de 2016 e junho de 2017, foram confirmados 777 casos e 261 óbitos por febre amarela no país.

Somente de julho de 2017 a 27 de março de 201 foram confirmados 1.131 casos de febre amarela no país, sendo que 338 vieram a óbito. Ao todo neste período foram notificados 4.414 casos suspeitos, sendo 2.368 já descartados e 915 ainda em investigação.

Fonte: Fiocruz, com Redação

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