Lipoaspiração após Covid-19 pode ter matado jornalista no Rio

Polícia investiga morte de Eloísa Leandro, de 41 anos, que teve parada cardíaca após abdominoplastia em clínica da Tijuca

Eloísa Leandro, que tomava remédios para o coração, morreu aos 41 anos após parada cardíaca em clínica da Tijuca (Foto: Facebook)
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Uma lipoaspiração seguida de abdominoplastia, realizada menos de uma semana após a Covid-19, pode ter tirado a vida de Eloisa Leandro, de 41 anos, na madrugada de 10 de dezembro. Elô, como era conhecida, morreu ao sofrer uma parada cardiorrespiratória decorrente de uma tromboembolia pulmonar durante a cirurgia no Rio Day Hospital, no bairro da Tijuca, Zona Norte do Rio de Janeiro. Familiares e amigos suspeitam de negligência no socorro de Eloísa e apontam uma sucessão de erros no caso dela.

A médica responsável pelo procedimento, identificada como Leizi Regina Barreto da Silva, e os diretores da clínica deverão ser ouvidos pela Polícia Civil, que abriu inquérito para investigar a morte. O caso foi registrado e está sendo investigado pela equipe da 19ª DP (Tijuca), onde uma amiga da vítima e o irmão dela já estiveram para prestar depoimento. Procurado pelo ViDA & Ação, o Cremerj – Conselho Regional de Medicina informou que só abrirá procedimento administrativo para investigar a conduta da médica se a família denunciar o caso ao órgão.

Familiares e amigos de Eloísa relatam que ela morreu após se submeter à cirurgia plástica. Os médicos tentaram reanimá-la, mas não conseguiram. Ela não chegou a ser transferida para outra unidade porque o hospital não tinha ambulância, nem UTI com infraestrutura para atender quadros de complicação pós-cirúrgicas. A polícia investiga se houve erro ou negligência. Segundo amigos, ela estava feliz em realizar a cirurgia plástica, um sonho antigo.

Alguns deles contestaram o fato de atribuir a morte à Covid-19 no atestado de óbito e acreditam que houve negligência no socorro de Eloísa por parte da clínica e da médica que fez a cirurgia. Por conta da pandemia, o corpo foi sepultado sem velório num cemitério de São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio. No sepultamento, houve divergências em relação ao caso, conforme reportagem da TV Record.

Ana Barbieri, amiga de Eloísa, disse que a cirurgia era um sonho antigo dela, algumas vezes adiado por outros motivos. “Ela já tinha tentado fazer outras vezes, mas sempre algo a impedia”, contou. E chegou a alertá-la para os riscos do procedimento em meio à pandemia. Mas Eloísa disse se sentir segura, contou que a clínica não aceitava casos de Covid, que a médica só atendia duas pessoas por dia.

“É lógico que ela assumiu o risco, mas se o médico fala ‘espera um pouco, não faz agora’, ela não teria feito”, disse Thaís Meira. Para ela, a amiga não foi socorrida adequadamente. “Se a gente soubesse que era um hospital sem recursos, que não tinha ambulância, médico, a gente não teria deixado fazer essa cirurgia. Muitas mulheres caem nessa cilada e morrem por conta disso”, disse.

a prima Débora de Araújo, que é da área de Enfermagem, descartou a responsabilidade do hospital e da equipe e disse que a família não registraria queixa na delegacia porque Eloísa assumira os riscos da cirurgia. “Não é necessário. Tem umas sequências de algumas coisas que levaram a isso, mas não tem como culpar a equipe”, disse Débora, que foi até a clínica, conversou com os médicos e viu o prontuário.

De acordo com a reportagem, Eloísa teve Covid-19 no mês passado, chegou a ter uma leve falta de ar, o que a levou a adiar o procedimento estético, mas fez o teste, deu negativo e menos de uma semana depois a cirurgia foi remarcada. Uma amiga próxima dela contou que ela estava assintomática. O atestado de óbito também constou obesidade e tabagismo.

Eloísa morreu aos 41 anos após cirurgia plástica em clínica da Tijuca (Foto: Facebook

Segundo O Dia, agentes da Polícia Civil foram ao estabelecimento e solicitaram a documentação completa do prontuário médico e a relação dos profissionais que atuaram no procedimento cirúrgico para que sejam ouvidos. Também foram requisitadas todas as documentações, como alvará de funcionamento e licenças da Vigilância Sanitária. A equipe da 19ª DP analisará todos os documentos e exames apresentados para esclarecer os fatos e a causa da morte.

Um depoimento importante também para esclarecer o caso deve ser dado pela enfermeira Taís Araújo, amiga de Eloísa, que a acompanhou até o Rio Day. Outra reportagem do jornal O Dia mostrou que Marcelo Leandro da Silva, irmão da jornalista, prepara um dossiê para processar a médica e a clínica.

A partir de relatos de amigos, o jornal Extra publicou que “a jornalista começou a passar mal quando foi transferida da sala de cirurgia para o quarto da clínica”. Ainda segundo o jornal, a médica já havia feito outros procedimentos na paciente e autorizou que a operação fosse realizada em menos de uma semana de sua recuperação da Covid-19. A reportagem revelou que “pessoas próximas afirmaram que Eloísa tomava remédios controlados para o coração”.

O que leva paciente a arriscar-se num procedimento estético em plena pandemia?

Os questionamentos em torno da motivação da morte de Eloísa dominaram rodas de conversas entre amigos e colegas de trabalho e das entidades onde ela militava. Afinal, o que teria levado Eloísa a buscar, em plena pandemia do novo coronavírus, com hospitais lotados e poucos recursos médicos disponíveis no Rio, um procedimento estético que tem seus riscos como qualquer cirurgia? Em seu Facebook, a jornalista Rosayne Macedo, editora do Portal ViDA & Ação, que conhecia Eloísa da ABI, fez um longo desabafo.

Por que Eloisa queria melhorar o que já era bonito de se ver: sua presença sempre bem humorada e cativante, que disfarçava a dor que carregava no seu peito de mãe? Não há por que nos indagarmos sobre os motivos que a levaram a um procedimento estético mal sucedido. Muito menos culpar a vítima. Cada um sabe de si e enfrenta seus monstros internos, ainda que exteriormente nos pareçam fortalezas. Elô certamente teve motivos que lhe pareciam fortes o suficiente para encarar um procedimento que poderia ser simples, mas não foi”.

Ela e vários outros colegas da imprensa também cobraram justiça no caso: “Vamos aguardar punição para os possíveis (ir)responsáveis por este crime. (…) Se houve erro na conduta médica foi um crime e os responsáveis não podem ficar impunes”. Referindo-se à “ditadura” da beleza, que tem levado muitas mulheres à morte em inúmeros casos onde, quase sempre, a vítima é considerada culpada, Rosayne ainda escreveu: “Eloísa não é a primeira mulher linda a ir embora por causa de profissionais ou clínicas que, certamente, não estavam preparados para os riscos que envolvem alguns procedimentos estéticos – e infelizmente não será a última”.

Mas, com certeza, ao se submeter a tal procedimento ela não queria a morte, ela queria viver ainda mais feliz. E sua passagem tão abrupta não pode ficar em vão. Que este caso (mais um) não caia no esquecimento. (,,,) Certamente ela deixará muitas saudades e boas lembranças. E haverá quem lute por justiça diante de sua tão súbita partida”, escreveu.

Hospital não tinha estrutura para atender casos graves

Não precisa ser policial ou especialista em saúde para entender, numa rápida consulta ao site da Rio Day, que a clínica não parecia ter muita estrutura para atender complicações decorrentes de cirurgias estéticas. – Em seu site, o Rio Day Hospital oferece “Cirurgia Plástica Segura e Acessível – Cirurgia para quem não tem plano de saúde”.

Embora afirme que “é um centro com total infraestrutura para suas cirurgias”, tendo sido “criado para atender as necessidades específicas de cada de cada cirurgião e seus pacientes”, a unidade diz possuir “4 salas cirúrgicas, CTI, equipamentos de última geração e um atendimento ágil e especial”, e ainda “as condições ideais para o cirurgião que quer fugir do congestionamento dos hospitais gerais”.

Sobre o conceito de Day Hospital, que surgiu nos Estados Unidos e foi rapidamente implantado em outros países há cerca de três décadas, o site explica que a unidade foi desenvolvida como “uma alternativa aos problemas de controle de infecções e redução dos crescentes custos das internações, por meio da implantação de serviços de saúde voltados exclusivamente para cirurgias de pequeno e médio porte e/ou pequenos procedimentos médico/cirúrgicos”.

Ainda segundo o site institucional, “os estabelecimentos criados dentro desse conceito funcionam sem ambulatórios, pronto-socorro, laboratórios, etc.”. Assegura assim que “não há qualquer tipo de atendimento ao público em geral. Consequentemente, os pacientes que se submetem a cirurgias nesses estabelecimentos não têm contato com outros indivíduos com qualquer tipo de patologia infecto-contagiosa”.

A Rio Day também informa que é de responsabilidade dos próprios pacientes fazer seus exames pré-operatórios para garantir a ausência dessas patologias. “Por sua estrutura física de tamanho reduzido e pelo foco em cirurgias de pequeno e médio porte, o “day hospital” acaba sendo o local ideal para cirurgiões que desejam realizar diversas cirurgias num mesmo dia”, afirma o site. E ainda destaca a vantagem de que “naturalmente, esses estabelecimentos proporcionam uma agilidade maior quando comparados a hospitais gerais, além de um risco menor para os pacientes”.

Temos 05 salas cirúrgicas, 19 leitos, cti de suporte à vida, equipamentos de última geração, monitorização nos quartos, plantonista 24 horas e comissão de controle de infecções. Temos ainda suítes equipadas com frigobar, TV e ar-condicionado, para sua recuperação pós-cirúrgica ser ainda mais rápida e confortável”, informa o site, em tom publicitário.

O site da clínica também destaca que “outro importante diferencial é a parceria que possui com excelentes e reconhecidos cirurgiões plásticos, todos membros da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, que realizam suas cirurgias em nossas dependências a preços acessíveis”. ViDA & Ação ainda não conseguiu contato com a clínica.

Uma vida em busca de justiça para o filho

Eloísa com o filho Victor Hugo, morto por engano aos 15 anos: assassino até hoje não foi preso (Reprodução do Facebook)

A “Mãe do Victor Hugo, jornalista, aquariana, rock and roll, uma pessoa de fé para um mundo melhor”, como se apresentava no Facebook. A história de Eloisa é marcada pela luta incansável para encontrar os assassinos de seu filho único. Victor Hugo da Silva Braga foi morto aos 15 anos, em frente ao condomínio onde morava no bairro Raul Veiga, em São Gonçalo, em 4 de julho de 2011. O adolescente estava em uma lanchonete com amigos quando o grupo foi abordado por homens num Palio prata.

O estudante e o amigo Eduardo Evangelista Alberto foram atingidos por disparos. Um dos tiros atingiu o adolescente na cabeça e ambos foram levados para o Hospital Estadual Alberto Torres, mas Victor Hugo já chegou morto à unidade. No ano passado, em outubro, um dos acusados foi preso, Luiz Claudio Fernandes da Silva, o Gadernal. Já o responsável por ter atirado contra o adolescente, Deivid da Silva Oliveira, o Leleco, nunca foi preso.

Após a morte da mãe, há dois anos, Eloísa se dedicava a cuidar do pai, que tem Mal de Alzheimer e com quem atualmente morava no Anil, em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio.

Eloísa Leandro era formada pela Universidade Estácio de Sá em 2005, Eloisa atuou em redações de jornais diários como Jornal do Brasil, O Fluminense, A Tribuna e O São Gonçalo, e também em assessorias de comunicação do Consulado da Venezuela e do Consórcio Teroni, do Terminal Rodoviário João Goulart, além do Comitê Rio 2016. Era associada da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e candidata ao Conselho Deliberativo da entidade em eleição prevista para o dia 18 de dezembro.

Veja abaixo o desabafo da jornalista Rosayne Macedo no Facebook:

Eloísa, primeira mulher à esquerda, com as jornalistas Rosayne Macedo e Malu Fernandes e um grupo de jornalistas associados da ABI (Foto: Acervo pessoal)

Até agora sem conseguir processar direito a partida precoce da jornalista Eloisa Leandro. Eu a conhecia inicialmente por sua luta em defesa de punição para os assassinos do seu filho, então com 15 anos (hj a idade da minha filha), a pior dor que uma mãe pode suportar. Mas foi em 2019 que nos aproximamos durante a campanha que culminou na vitória da chapa ABI: Luta pela Democracia, pela qual fui eleita diretora de Assistência Social até 2022. Elô fez boca de urna na porta da centenária casa do jornalista. E ali ganhou fama de musa, por ser confundida com alguma modelo contratada para o papel de cabo eleitoral por alguns associados mais alinhados às chapas adversárias (rsrs). Eu, Cleyber Fintelman, José Laranjo Duarte e Wilson França Dos Santos ríamos e brincávamos com ela por isso. E ela, sempre com aquele sorrisão largo, se divertindo com os comentários.

Desde então, Elô participava do nosso grupo de whatsapp e nos falávamos bem pouco, mas admirava de longe essa mulher que enfrentou tantos por justiça, mesmo estraçalhada por dentro. Mais recentemente, soube que Eloísa era uma das candidatas ao Conselho Deliberativo da ABI. Tenho certeza que seria uma aguerrida companheira no nosso CD, reforçando nossa bancada feminina na tradicional casa dominada pelos homens jornalistas. Não conhecia muito a trajetória profissional da Eloísa, mas sei que deixa sua marca no jornalismo e na assessoria de imprensa. E sobretudo, pelo que via no Facebook, era uma pessoa alegre, alto astral, que gostava de festas e estava sempre linda e bem arrumada.

Então por que Eloisa queria melhorar o que já era bonito de se ver: sua presença sempre bem humorada e cativante, que disfarçava a dor que carregava no seu peito de mãe? Não há por que nos indagarmos sobre os motivos que a levaram a um procedimento estético mal sucedido. Muito menos culpar a vítima. Cada um sabe de si e enfrenta seus monstros internos, ainda que exteriormente nos pareçam fortalezas. Elô certamente teve motivos que lhe pareciam fortes o suficiente para encarar um procedimento que poderia ser simples, mas não foi.

Ela teve uma parada cardíaca e morreu aos 41 anos na madrugada desta quinta-feira (10/12), segundo informações da imprensa, após uma lipoaspiração. Em plena pandemia, com os olhos da mídia voltados pro aumento de casos de Covid-19 que lotam hospitais públicos e privados, o caso não teve tanta repercussão. Nem sempre quando jornalistas são vítimas isso acontece, infelizmente. E também por causa da pandemia, não haverá velório no Cemitério Parque da Paz, no bairro Pacheco, São Gonçalo, segundo me informou uma parente próxima.

Uma curta despedida de meia hora restrita a poucas pessoas antes do sepultamento nesta sexta-feira, às 13 horas, a duas semanas para o Natal, será ainda mais triste e solitária para tantos que a admiravam e para os familiares que não deverão contar com esse importante apoio na hora mais difícil. Mas para quem acredita – e eu não duvido – a essa hora ela já se encontrou com seu amado garoto, duas tragédias em um intervalo de quase 10 anos unindo mãe e filho no plano espiritual.

Enquanto isso, por aqui, vamos aguardar punição para os possíveis (ir)responsáveis por este crime. A propósito, algum colega da imprensa já conseguiu apurar se foi registrado boletim de ocorrência? A clínica onde ela fez o procedimento estético que pode ter resultado na parada cardíaca já foi chamada pela polícia? Cremerj ou outro órgão de classe foi acionado para avaliar o caso sob o ponto de vista da ética profissional? Se houve erro na conduta médica foi um crime e os responsáveis não podem ficar impunes…

Eloísa não é a primeira mulher linda a ir embora por causa de profissionais ou clínicas que, certamente, não estavam preparados para os riscos que envolvem alguns procedimentos estéticos – e infelizmente não será a última. Mas, com certeza, ao se submeter a tal procedimento ela não queria a morte, ela queria viver ainda mais feliz. E sua passagem tão abrupta não pode ficar em vão. Que este caso (mais um) não caia no esquecimento. Que Elô possa descansar em paz e seus muitos amigos, colegas de profissão e familiares recebam o necessário conforto nesse momento tão doloroso. Certamente ela deixará muitas saudades e boas lembranças. E haverá quem lute por justiça diante de sua tão súbita partida.

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