Suicídio na adolescência: a cada 24 horas, 14 atentam contra a própria vida

Pesquisa da Fiocruz sobre suicídio na adolescência mostra que maioria das tentativas ocorre dentro de casa, por envenenamento ou intoxicação

O Castelo da Fiocruz na campanha de 2020: prédio volta a ser iluminado este ano (Foto: Peter Ilicciev)
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O suicídio é a segunda principal causa de morte entre jovens com idade entre 15 e 29 anos, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Esse problema de saúde pública rejuvenesce a cada ano no Brasil, onde mais de 5,2 mil adolescentes de 15 a 19 anos atentam contra a própria vida a cada ano – em média, 14 casos por dia. É o que se pode concluir a partir de um estudo inédito divulgado pela Fiocruz neste Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio (10 de setembro).

Levantamento realizado entre 2011 e 2014 identificou 15.702 notificações de atendimento ao comportamento suicida entre adolescentes nos serviços de saúde. A  maioria é do grupo etário de 15-19 anos (76,4%), do sexo feminino (71,6%), e raça/cor da pele branca (58,3%). A residência foi o local mais frequente dessas ocorrências (88,5% de 10-14 anos; 89,9% de 15-19 anos), e o meio mais utilizado foi envenenamento/intoxicação (76,6% e 78%, respectivamente nas idades de 10-14 e 15-19).

A pesquisa ‘Violência autoprovocada na infância e na adolescência’ revela ainda que houve 12.060 registros de internações decorrentes das tentativas em adolescentes entre 2007-2016, com predominância do sexo feminino (58,1%) e maior ocorrência na Região Sudeste (2,7 e 7 notificações/100 mil habitantes, nos grupos de 10-14 e 15-19 anos, respectivamente).

Suicídio na adolescência: lidando com o  sentido da vida e da morte

Coordenadora do estudo, Joviana Avanci, do Departamento de Estudos sobre Violência e Saúde Jorge Careli da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), afirma que “é relativamente comum que na adolescência surjam ideias suicidas, pois fazem parte do desenvolvimento de estratégias para lidar com problemas, como o sentido da vida e da morte”.

“Vem a ser um problema quando essas ideias se tornam a única ou a mais importante alternativa. A intensidade desses pensamentos, sua profundidade, duração, o contexto em que surgem e a impossibilidade de desligar-se deles são fatores que determinam a crise suicida. “Um suicídio costuma ser pensado, planejado e antecedido por tentativas. Existem suicídios por impulso, mas são raros”, comentou.

58 óbitos por suicídio em 11 anos, maioria por enforcamento

Apesar de praticamente não haver estatísticas sobre o comportamento suicida em crianças no mundo, no período de 2006 a 2017, foram identificados 58 óbitos de crianças brasileiras decorrentes desta causa, com a maioria sendo do sexo masculino, de cor da pele branca e com 9 anos de idade.

O enforcamento foi o meio mais utilizado por elas para se matar. As internações por tentativas de suicídio, no mesmo período, somaram 1.994 casos, com predominância entre os meninos em todas as regiões do país. No que se concerne às notificações, a maioria está relacionada a crianças entre 8 e 9 anos de idade, com cor da pele parda e do sexo feminino, com destaque às autointoxicação.

Rejeição, maus tratos e uso de álcool e drogas

Dentre os casos entrevistados, a pesquisa mostra presença significativa de vulnerabilidade no lar, como violências, falta de cuidado e apoio interrelacional, que perpassa gerações. As famílias pesquisadas revelam histórias familiares de rejeições, maus-tratos físicos, agressões verbais, violência sexual, uso de álcool e drogas.

“Há relatos de agressões físicas, violência psicológica e negligências na família em praticamente todos os casos pesquisados. É importante ressaltar a ocorrência do abuso sexual em vários adolescentes e também em gerações anteriores das famílias, inclusive outras formas de violência”, denuncia o estudo.

História pregressa de suicídio

Palácio Pedro Ernesto, sede da Câmara de Vereadores do Rio, foi iluminado de amarelo (Foto: Divulgação)

Chama atenção da coordenação o fato de que todos os casos de suicídio e tentativas pesquisados têm uma história pregressa de suicídio familiar ou envolvendo amigos, colegas, vizinhos ou conhecidos.

A grande maioria dos casos estudados têm histórico de problemas psiquiátricos na família, com destaque para ansiedade e depressão, inclusive em gerações anteriores, e praticamente a metade dos adolescentes pesquisados tem familiares que abusaram do uso de álcool.

“A evidência de que qualquer comportamento suicida na infância está fortemente associado com as tentativas ou o suicídio consumado na adolescência e na vida adulta é uma das principais indicações da necessidade de prevenção desse comportamento na primeira década da vida”, alerta Joviana.

Problemas familiares e bullying na lista de causas

Sobre o ato, praticamente todos identificaram vários motivos disparadores. Entretanto, é recorrente a constatação de que as motivações para as tentativas entram em um contexto de vida já marcado por grande mal estar emocional, desafetos, insatisfações e vulnerabilidades.

=Violências e problemas na família, desentendimentos e rompimentos com namorados, abuso sexual, bullying, abuso álcool e drogas, assalto, pressão escolar, obesidade e a interação em redes sociais virtuais, como Youtube, WhatsApp e comunidades especializadas foram expostas.

“O suicídio, as tentativas, ideações, enfim, todo espectro do comportamento suicida apresenta estatísticas muito preocupantes, principalmente em algumas faixas etárias. A campanha do Setembro Amarelo é importante para sensibilizar sobre o tema, além de favorecer a desconstrução do tabu sobre o comportamento suicida, pois é fundamental cuidarmos das pessoas que tem ideações e possuem comportamento suicida. É fundamental acolher, ouvir, ajudar e cuidar”, disse Joviana.

O levantamento, que contou com apoio do CNPq, teve como objetivo investigar o tema do suicídio e da tentativa de suicídio entre crianças e adolescentes no país. O estudo parte da análise de dados de Sistemas de Informação de Saúde e entrevistas em profundidade com 18 adolescentes com comportamento suicida das cidades de Porto Alegre e Dourados (MS), identificados por meio da indicação de profissionais de serviços de saúde de referência do local ou pelas delegacias de polícia das cidades.

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Monumentos iluminados de amarelo

O Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio é organizado pela Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio (IASP) e endossado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O evento representa um compromisso global para chamar atenção para prevenção do suicídio. No Brasil, o Setembro Amarelo marca o mês dedicado à campanha, numa iniciativa do Centro de Valorização da Vida (CVV), da Associação Brasileira de Psiquiatria e do Conselho Federal de Medicina.

O Cristo Redentor recebeu iluminação especial no Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio – 10 de setembro (Foto: Arquidiocese do Rio de Janeiro)

Nesta sexta-feira (10/9), o Castelo da Fiocruz e o Cristo Redentor, assim como muitos outros monumentos em todo o planeta, serão iluminados na cor amarela nesta sexta-feira, 10 de setembro, às 19h, em uma parceria com o CVV. Este é o sexto ano em que a Fiocruz ilumina o Castelo de amarelo nessa data.

“O Cristo Redentor mais uma vez cumpre a missão de valorização da vida. O suicídio é uma questão cada vez mais séria, em um mundo que se fecha ao outro, devido ao individualismo exacerbado, e gera muitos transtornos, como a depressão”, disse Padre Omar, reitor do Santuário Cristo Redentor.

Segundo ele, é necessário que a pessoa busque ajuda e atenção de quem está a sua volta. Mas também é preciso recuperarmos uma característica da vida familiar, que deve ser aprendida desde os primeiros anos de vida: o convívio”, destaca Padre Omar.

Ainda no Rio, os tons de amarelo da defesa à vida cobrirão alguns dos maiores símbolos da cidade, como Arcos da Lapa, Maracanã, Palácio Guanabara, Câmara Municipal, Monumento Estácio de Sá, além da sede do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia (Iede-RJ). O objetivo é enfatizar a importância da conscientização sobre cuidados com a saúde mental, especialmente entre os mais vulneráveis.

Origem do Setembro Amarelo

O Setembro Amarelo começou nos EUA, quando o jovem Mike Emme, de 17 anos, cometeu suicídio, em 1994. Mike era um rapaz muito habilidoso e restaurou um automóvel Mustang 68, pintando-o de amarelo. Por conta disso, ficou conhecido como “Mustang Mike”. Seus pais e amigos não perceberam que o jovem tinha sérios problemas psicológicos e não conseguiram evitar sua morte.

No dia do velório, foi feita uma cesta com muitos cartões decorados com fitas amarelas. Dentro deles tinha a mensagem “Se você precisar, peça ajuda”. A iniciativa foi o estopim para um movimento importante de prevenção ao suicídio, pois os cartões chegaram realmente às mãos de pessoas que precisavam de apoio.

Em consequência dessa triste história, foi escolhido como símbolo da luta contra o suicídio, o laço amarelo. Outras campanhas de saúde, como o Outubro Rosa e Novembro Azul, também utilizam cores como forma de alerta e de identificação sobre as questões que abordam.

Para saber mais, acesse www.setembroamarelo.org.br.

Centro de Valorização da Vida (CVV) promove ações

No Brasil, o CVV, entidade sem fins lucrativos que atua na prevenção do suicídio e apoio emocional, vai utilizar este conceito em sua campanha do Setembro Amarelo e demais ações durante o mês. “É sobre estimular as pessoas a levarem esperança por meio de ações, e não passivamente. Podem ser ações coletivas ou individuais, mas é importante que elas existam para haver mais esperança em meio a tantas tristezas e incertezas”, afirma Carlos Correia, voluntário do CVV.

“Quando pensamos o que nos dá esperança, normalmente lembramos de algo em movimento, um gesto, uma iniciativa, algo prático que nos inspira e mostra que é possível superar o que estamos passando”, comenta. Segundo Carlos, estimular a conversa aberta, a conscientização sobre esse assunto, pode estar nas mãos de todos. O CVV, por meio dos mais de 4000 voluntários, realizará diversas ações de sensibilização
e conscientização em todo o país, respeitando as recomendações de segurança devido à pandemia de covid-19.

O CVV presta serviço voluntário e gratuito de prevenção do suicídio e apoio emocional para todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo. Os mais de 3 milhões de atendimentos de 2020 foram realizados por cerca de 4.000 voluntários em mais
de 120 postos de atendimento.

A entidade realiza também ações presenciais (temporariamente suspensas devido à pandemia), como palestras, Curso de Escutatória e grupos de apoio a sobreviventes do suicídio – GASS. O CVV é uma entidade financeira e administrativamente independente, mantendo-se por meio de doações de pessoas físicas e jurídicas. Para colaborar, acesse aqui.

Onde encontrar ajuda?

O Centro de Valorização da Vida (CVV) é um canal permanente de apoio pelo telefone 188 (sem custo de ligação), ou pelo site www.cvv.org.br, via chat e e-mail, além de carta.

Em diversidades cidades, há também um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) que oferece auxílio em horários comerciais.

Se quiser conversar com alguém e obter suporte emocional, entre em contato com:

Mapa da Saúde Mental, que traz uma lista de locais de atendimento voluntário on-line e presencial em todo país.

Pode Falar, um canal de ajuda em saúde mental para adolescentes e jovens de 13 a 24 anos. Funciona de forma anônima e gratuita, indicando materiais de apoio e serviço.

O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), pelo telefone 192, ou o Corpo de Bombeiros, pelo 193, devem ser acionados quando ocorrem casos de tentativas de suicídio.

Da Agência Fiocruz de Notícias, com Redação

 

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