6 mitos sobre a esquizofrenia: é preciso entender para não julgar

Médico psiquiatra explica como ocorre o transtorno, que afeta 800 mil pessoas no Brasil, e mostra como enfrentar o preconceito

depressão
Gostou desse conteúdo? Compartilhe em suas redes!

A esquizofrenia é um transtorno mental que se manifesta no fim da adolescência, início da idade adulta. Atinge cerca de uma em cada 100 pessoas, mundialmente. Isso representa nada menos que 23 milhões de pessoas, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). Estima-se que 800 mil convivam com a doença no Brasil.

A falta de informação sobre o transtorno gera uma série de equívocos em relação ao comportamento dos pacientes. A pessoa com esquizofrenia é vista como “perigosa”, “violenta”, “imprevisível”, “esquisita” ou mesmo inapta para o convívio social.

Esta visão distorcida gera a discriminação, reduzindo as chances de que uma pessoa com esquizofrenia seja inserida socialmente, consiga um emprego ou uma atividade. Ela terá dificuldade em situações triviais, pois terá que superar barreiras criadas pelo preconceito.

Para mudar este cenário é preciso mais informação: conhecer a doença, entender seus sintomas e saber como é feito o tratamento. Informações corretas, obtidas em fontes confiáveis, ajudam a compreender a pessoa com esquizofrenia e se contrapõem àquelas visões distorcidas e arraigadas no senso comum.
É um longo trabalho, uma vez que é preciso mudar algo que vem de muitas décadas. No entanto, é fundamental para que a realidade se imponha sobre o preconceito. Para combatê-lo, há mais de 20 anos ocorre em maio a Semana de Conscientização sobre a Esquizofrenia e o 24 de maio é lembrado como Dia Mundial da Esquizofrenia.

 

Sintomas e diagnóstico

O diagnóstico da esquizofrenia pode vir logo depois do primeiro episódio psicótico, que inclui delírios (ideias que são incompatíveis com a realidade da pessoa), alucinações (em geral, auditivas, na forma de “ouvir vozes”), pensamento desorganizado e alterações de comportamento.

Estes sintomas ocorrem essencialmente na fase aguda da doença o chamado “surto” psicótico. Uma vez tratados, os sintomas diminuem ou desaparecem (o período de remissão), podendo a pessoa vir ou não a ter novos surtos. No período de remissão ficam mais perceptíveis outros sintomas, como apatia, falta de motivação e dificuldade para expressar emoções (as emoções ficam “apagadas”).

É o que explica o psiquiatra Mário Louzã, doutor pela Universidade de Würzburg, Alemanha, e coordenador do Programa de Esquizofreniado Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Segundo ele, estes sintomas levam ao aumento do isolamento social da pessoa com esquizofrenia.

Mas há luz no fim do túnel. A doença exige tratamento de longo prazo em 80% a 90% dos casos. Segundo o psiquiatra, o não-tratamento é prejudicial à estrutura cerebral.

É necessário tratar o paciente imediatamente para evitar novas crises, pois, do contrário, a pessoa pode piorar nos surtos subsequentes”, afirma Louzã.

É comum também que o paciente apresente comorbidades em paralelo à esquizofrenia. Depressão e tendência ao uso de drogas são as principais preocupações, mesmo quando o paciente está seguindo o tratamento – até porque o uso de drogas e álcool pode ser um gatilho para novas crises. Também pode ocorrer quadros de transtorno obsessivo compulsivo, transtornos de ansiedade e problemas de sono.

Origem do problema

Os mecanismos de como a doença funciona e o porquê ainda não foram completamente desvendados, mas já se sabe que há relação com mais de um fator.
“Sabemos que há todo um processo para chegar ao momento em que a doença aparece. Primeiro, existe uma base genética, que se soma a alguns fatores de risco: qualquer lesão no neurodesenvolvimento durante a gestação já deixa a estrutura cerebral vulnerável. Há ainda outros episódios de vida, como o uso de drogas na adolescência, quando o cérebro ainda está se ajustando”, afirma o especialista.
Louzã explica que, durante as crises, o que ocorre é uma alteração química no cérebro, com o aumento do funcionamento do sistema dopaminérgico. Portanto, de modo geral, as medicações usadas têm como foco bloquear a dopamina, cuja hiperfunção já está mapeada como gatilho desse desequilibro. Porém, estuda-se ainda a presença de outras neurodisfunções envolvidas.

LEIA MAIS:

Esquizofrenia não é metáfora. É uma doença séria e pode ser controlada
”O manicômio era um lugar terrível. Era proibido falar, eles vigiavam’
Psicofobia existe. E fere mais que o transtorno mental

Personalização do tratamento

Existem diretrizes básicas de uso da medicação para o tratamento da esquizofrenia. Porém, o olhar do profissional de saúde para o paciente busca sempre a individualização. Alguns pacientes se dão melhor com um ou outro medicamento e, por vezes, pode ser necessário fazer ajustes de dose ou mesmo da forma farmacêutica.
Quando o paciente tem muita resistência a utilizar corretamente a medicação oral, aumenta o risco de recaídas e temos uma piora do quadro geral do paciente. Então, não é incomum fazer substituições até mesmo por formas injetáveis de longa duração dos antipsicóticos”, exemplifica o psiquiatra.
Antes dessa medida, tenta-se trabalhar com o paciente – e a família – abordagens psicoterápicas e psicoeducacionais. O médico explica que elas são importantes para despertar no paciente a importância da persistência no uso do medicamento.
Infelizmente, são muitos os motivos para o abandono do tratamento. Um deles é próprio da condição. “A pessoa não tem um senso crítico satisfatório sobre a doença, não se percebe como doente e, portanto, não vê motivo para se tratar”, pontua Louzã. Outro fator para a descontinuidade são os efeitos colaterais das medicações.
O tratamento da esquizofrenia envolve sempre uma abordagem multiprofissional. O objetivo é ajudar o paciente a voltar, na medida do possível, à vida normal. Para isso, o trabalho com a família é fundamental. Muitas vezes a pessoa não tem a remissão total da doença, mas ela e a família aprendem a lidar melhor com os fatores que desencadeiam as crises.

Opções terapêuticas

O tratamento medicamentoso é feito tanto na fase aguda, para controle dos sintomas, quanto na remissão, para evitar que os sintomas se manifestem novamente. Além dos medicamentos, há uma série de abordagens chamadas psicossociais, para ajudar na reintegração familiar e social da pessoa.
Os antipsicóticos são divididos entre primeira e segunda geração. Os primeiros foram desenvolvidos até por volta dos anos 1970, enquanto os mais modernos vieram a partir da década de 1990. Eles se diferenciam principalmente pelos efeitos colaterais que provocam.
Os de primeira geração apresentam os chamados efeitos extrapiramidais, que geram uma reação similar à doença de Parkinson: ao bloquear o sistema dopaminérgico, o medicamento provoca tremor, rigidez física, hipersalivação e dificuldade para caminhar (marcha em bloco).
Já os de segunda geração reduziram significativamente esses incômodos, mas trouxeram como possível efeito colateral o ganho de peso, acompanhado de aumento do colesterol e triglicérides.
Se o paciente se dá bem com um medicamento de segunda geração, em geral, preferimos acrescentar outro fármaco que controle o colesterol e orientamos para que ele pratique atividades físicas de forma complementar. Porém, se o efeito colateral é significativo e os resultados do tratamento estão pouco satisfatórios, a opção é tentar mudar de medicamento até encontrar o melhor ajuste”, afirma o psiquiatra.
De acordo com o médico, os fármacos de primeira geração são ainda prescritos com frequência, mas, caso se apresentem como opção, podem ser prescritos junto a medicamentos específicos, caso o paciente desenvolva sintomas extrapiramidais. “No Brasil, usamos o biperideno, que não provoca interações importantes”, diz.

6 MITOS sobre a doença

Marcelo Caldeira, médico clínico do Centro de Infusões e Terapias – CIT (unidade não oncológica no RJ do Grupo Oncoclínicas), explica alguns mitos sobre a esquizofrenia, analisando informações de utilidade pública que podem ajudar na identificação de sintomas.

  1. 1. A esquizofrenia não compromete o raciocínio lógico

MITO – A Esquizofrenia é uma doença caracterizada pelo quadro de perda do contato com a realidade, alucinações, delírios e comprometimento do raciocínio, com dificuldades para soluções de problema pelo paciente que apresente discurso e comportamento desorganizado, levando à disfunção social e ocupacional.

  1. 2. Todos os sintomas da esquizofrenia são físicos e claramente conhecidos

MITO – A apresentação dos sintomas é muito variável, podendo ser de desorganização cognitiva leve, com incapacidade de experimentar prazer ou alegria, retraimento, irritabilidade, desconfiança e pensamentos incomuns, com distorção da percepção da realidade.

Em alguns pacientes, a instalação pode ser súbita, com delírios e alucinações, ou lenta e insidiosa. As manifestações na fase pré-mórbida, ou seja, antes de apresentar os sintomas exuberantes, em alguns casos, só é reconhecida retrospectivamente.

  1. 3. A maioria dos pacientes esquizofrênicos é homem na terceira idade

MITO – A prevalência da esquizofrenia é de cerca de 1% da população mundial, semelhante entre homens e mulheres, e acometendo, principalmente, classes socioeconômicas menos favorecidas em áreas urbanas. É rara na infância ou no final da vida, aparecendo, em geral, entre os 18 (homens) e 25 (mulheres) anos.

  1. 4. Causas ambientais e socioemocionais não têm relação com desenvolvimento da doença

MITO – Não há causa específica estabelecida, mas a doença apresenta base biológica evidente nas estruturas cerebrais. Supõe-se que vulnerabilidades no desenvolvimento neurológico possam concorrer como fatores adjuvantes. Entre estas, podemos citar as complicações intra ou extrauterinas ou, ainda, decorrentes do parto, inanição materna, influenza no segundo e terceiro trimestres de gestação, entre outras.

Os estressores ambientais e bioquímicos podem desencadear o aparecimento de sintomas. Pressões sociais, como desemprego, empobrecimento ou saída do lar, assim como abuso de substâncias químicas estão fortemente relacionadas ao aparecimento dos sintomas e instalação da doença em pessoas vulneráveis.

  1. 5. O comportamento do paciente esquizofrênico é predominantemente violento

MITO – O paciente esquizofrênico tem risco relativamente baixo para comportamentos violentos. Historicamente, esses episódios ocorrem devido ao abuso de drogas, alucinações de comando, delírios persecutórios em pacientes que não tomam corretamente as medicações prescritas.

“No Centro de Infusões e Terapias (unidade no RJ do Grupo Oncoclínicas), temos aplicado medicações injetáveis para controle da doença, conforme a prescrição dos psiquiatras, sem nenhuma ocorrência desagradável ou inesperada. Todos os pacientes estão sob controle de tratamento com seus médicos assistentes”, ressalta Dr Marcelo.

  1. 6. Mesmo com tratamento em dia, vida social do esquizofrênico fica comprometida

MITO – O tratamento é basicamente feito por medicamentos, com apoio de psicoterapia e reabilitação, e, dependendo do estágio e comprometimento da doença, vida social e profissional é possível.

SOBRE A DATA NO BRASIL

Em parceria com a Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Esquizofrenia (Abre) e o Programa de Esquizofrenia da Universidade Federal de São Paulo (Proesq), o Centro de Estudos Paulista de Psiquiatria (CEPP) promove, em 24 de maio, o Dia Mundial da Pessoa com Esquizofrenia.
A data, que será celebrada pela segunda vez no Brasil e já fazia parte do calendário em diversos países, destaca o desafio de tratar a doença, buscando entender e discutir a redução das barreiras do estigma e criar oportunidades de superação.
O lema da campanha deste ano é “Esperança Realista e Possibilidades na Vida com Esquizofrenia”, um convite à reflexão para as pessoas com esquizofrenia, seus familiares e os profissionais de saúde.
Da Redação, com Assessorias
Gostou desse conteúdo? Compartilhe em suas redes!

You may like

In the news
Leia Mais
× Fale com o ViDA!