Mãe de TDAH em dose tripla: ‘uma vida fora dos trilhos’

Mãe de dois jovens e uma adolescente com TDAH, duas delas também com TOD e uma ainda com TEA, Eli Fernandes compara desafios a uma locomotiva

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Dados da OMS (Organização Mundial da Saúde) indicam que o TDAH – Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade acomete 3% da população global. Na casa da técnica de Segurança do Trabalho e confeiteira Eliane Santos da Silva Fernandes, a estatística, no entanto, é de 100%. Ela é mãe de três filhos – Luís Daniel, de 21 anos; Pâmela, 19, e Maria, de 16 – todos com TDAH. As duas meninas ainda têm como comorbidade o TOD – Transtorno Opositivo Desafiador e Maria ainda tem TEA – Transtorno do Espectro Autista.

Os desafios nunca foram poucos e começaram bem cedo na vida da família. O mais velho, Luís Daniel, passou a ter crises convulsivas com 1 ano de idade, seguidas de crise de ausência. A família teve dificuldade de conseguir tratamento com neurologista infantil em Petrópolis, na Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro, onde morava. Pelo plano de saúde da prefeitura da cidade, onde o pai trabalha, o médico diagnosticou o caso como “epilepsia da infância”.

“O gatilho era o emocional dele. Com o tratamento foram diminuindo as crises. O diagnóstico do TDAH veio mais tarde: aos 6 anos descobrimos o transtorno. Daniel era muito desatento, esquecia muito as coisas. Ele foi aprender a amarrar sapato com quase 17 anos porque a irmã dele mais nova ensinou”, conta Eli.

Pâmela, a filha do meio, foi diagnosticada aos 3 anos e 2 meses. A mãe descobriu que ela tinha transtorno do sono e hiperatividade porque não dormia, brigava com o sono. Somente com quase seis anos de idade o diagnóstico de TDAH foi oficialmente fechado. Mas o maior desafio na vida de Eli veio mesmo com a chegada de Maria Eduarda.

“Ela apresentava sintomas diferentes desde bebê, não fixava o olhar, não tentava pegar objetos que a gente colocava em frente aos olhos dela, não fazia contato visual. O contato era sempre dela abraçada comigo ou com a avó materna, que faleceu em 2018, num acidente de moto. Foi quando fechamos totalmente o diagnóstico de autismo”, conta.

Segundo a mãe, Maria Eduarda sempre foi uma criança difícil de se socializar, de se comunicar, de se expressar. “Ela aprendeu a ler e escrever aos 9 anos de idade. Não foi na escola porque a escola sempre a colocava lá no fundão. Nesta época eu já tinha uma visão do que era uma criança diferente porque meus outros dois filhos entravam na mesma categoria, com dificuldades diferentes, mas com Maria a dificuldade era extrema”, relembra.

A menina ‘entrava muda e saía calada’, não conseguia fazer as atividades, rasgava as folhas, rabiscava tudo. “A professora falou que nunca tinha pegado uma criança tão difícil de se lidar. Eu disse para ela: ‘Nem todo mundo quer trabalhar com leões, é fácil trabalhar com ovelhas. Eu tenho que domar três, desde que levanto até a hora de dormir’. Então, a Maria só começou a evoluir porque eu peguei para ensiná-la”, relembra.

Com um relato em que compara seus desafios diários de criar e educar os filhos com TDAH e outros transtornos a uma locomotiva, Eli Fernandes comoveu as mais de 250 mães e pais que participam do grupo ‘TOD – Paciência, Fé e Alegria’ no Whatsapp no Dia Mundial do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) – 13 de julho.

Confira aqui, na íntegra, o depoimento de Eli Fernandes:

Uma vida fora dos trilhos

Por Eliane Santos da Silva Fernandes (Eli Fernandes)*

Ser mãe de uma criança TDAH é viver como um trem que sempre sai dos trilhos. A cada crise é um trilho que você procura para não descarrilar. Foram tantas indicações fono, psicólogos, pedagogos, sala de recursos, neurologistas, psiquiatras, medicações que {as vezes davam certo por um tempo, mas quando o trem descarrilhava, que confusão dentro da composição! Meu coração entrava em oração, e olha – coitado de Deus! Foram tantas reclamações, mas também eram tantas emoções.. que até o meu vagão entrou na confusão.

Mas deu tudo certo e meus vagões hoje estão bem. Tem um vagão que é tão quieto que passa e nem escutamos o seu barulho sobre os trilhos. E os outros dois é impossível não perceber sua passagem – aonde vão, todos percebem. Parecem um furacão em erupção, mas uma erupção de crianças felizes. Por onde passam fica a alegria de seus olhares e seus sorrisos. Fica um clima leve de amor e esperança.

Com o passar dos anos, tem dias em que me pergunto: “como consegui fazer tudo isso, sem me cansar, sem desistir?” A resposta é: eu era um vagão nessa composição e eu tinha três vagõezinhos nesse trem para por nos trilhos. É a vida. Pra manter a paz nessa composição que é a nossa família, a nossa casa, o nosso emocional… Ufa, é cansativo, mas não é impossível…

E quem disse que nunca pensei em desistir? Sim, e não foram poucas as vezes em que meu vagão emocional descarrilou e por pouco não causou um grande acidente. Mas é assim mesmo: somos um vagão passando pelos trilhos da vida. A cada dificuldade procurava um desvio e pro trilho íamos seguindo. A cada obstáculo parava e respirava fundo, pois minha persistência era e é maior que o mundo. Às vezes eu saí do trilho sim, sou um vagão nesse trem, não sou de ferro. Mas fazia de tudo para por o trem lá no trilho novamente. E íamos adiante, olhando pra frente.

Mas você irá perguntar; quem é o maquinista dessa composição? O maquinista é Deus, os seus ajudantes são a fé, a esperança e o amor que nunca nos deixam desistir. Com o tempo, os vagões começam a andar melhor, é só tocar no botão e ele por mais resistente que seja, obedece ao seu comando.

Mas não se engane: de vez em quando o seu vagão vai sair dos trilhos, mas ele vai voltar, é muita manutenção (oração). Que seu vagãozinho, seja pequeno ou grande, vai precisar sempre de você e do seu vagão emocional bem tratado. E vamos seguir esse caminho sob trilhos com todo carinho. A vida é um vagão e deixar descarrilar ou não é só uma questão de opção.

*Eli Fernandes é técnica de Segurança do Trabalho e confeiteira e mãe de três jovens com TDAH – Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, sendo duas também com TOD – Transtorno Opositivo Desafiador e uma ainda com TEA – Transtorno do Espectro Autista.

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