Projetos para enfrentar efeitos da pandemia atendem 100 mil em favelas do RJ

41 dos 54 projetos apoiados pela Fiocruz e Alerj estão em atividade e outros 50 já foram aprovados. Combate à fome e saúde mental são destaque

Alice, de 6 anos, toca chocalho no coral da Liga do Bem, na Vila Cruzeiro, é uma das beneficiadas por programa criado pela Fiocruz (Foto: Thiago Lontra / Alerj)
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Moradora da Vila Cruzeiro, uma das comunidades mais conflagradas pelo crime do Rio de Janeiro, a pequena Alice, de 6 anos, toca chocalho na escola de música Liga do Bem, fundada há quase 10 anos pela professora Ana Paula Mendonça, nascida e criada na comunidade do bairro da Penha. Alice e outras crianças e adolescentes da Vila Cruzeiro executam uma bela versão do Hino Nacional, emocionando as mais de 200 pessoas que acompanharam a abertura do evento 54 x Favela: parcerias em defesa da vida, promovido no campus da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), na manhã desta sexta-feira (01/07). 

A menina é uma das cerca de 100 mil pessoas de 75 comunidades que já foram diretamente beneficiadas pela Chamada Pública para Apoio a Ações Emergenciais de Enfrentamento à Covid-19 em Favelas do Rio de Janeiro. Lançado há um ano pela Fiocruz, com recursos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), o programa visa reduzir os efeitos da pandemia e ampliar a participação social na vigilância em saúde nesses territórios.

Entre os resultados, estão a distribuição de 181 toneladas de alimentos para pessoas em situação de pobreza ou extrema pobreza, 400 acompanhamentos psicoterapêuticos e 450 crianças inseridas no programa de reforço escolar, impactando também na redução da vulnerabilidade de suas famílias.

Representantes de diversos projetos sociais apresentaram ações realizadas com apoio do programa para reduzir impactos da pandemia em comunidades do estado (Foto: Thiago Lontra / Alerj)

De acordo com o balanço preliminar desta primeira fase, apresentado no campus da Fiocruz em Manguinhos, dos 104 projetos aprovados na primeira etapa da Chamada Pública, 54 já foram contemplados com recursos da Alerj. Desses, 41 estão funcionando há quase um ano e 13 em fase de implementação. Os demais projetos aprovados aguardam convocação, que tem previsão de ocorrer até o final de 2023.

A coordenadora do projeto Mercado Solidário: Quilos Necessários, do Salgueiro, em São Gonçalo, Janete Nazareth, foi escolhida para falar em nome das 41 organizações contempladas pelo programa. Ela lembrou que a chamada pública foi fundamental para amenizar os impactos nas comunidades, reafirmou o poder de trabalhar em rede e deixou como questionamento os próximos passos, frente aos números apresentados.

“O que vamos fazer coletivamente para que de fato possamos curar essa ferida? O povo preto da favela está doente, muito além da comida na mesa. Quais são os desdobramentos de todos esses números? Muitas vezes não podemos mensurar tudo que a gente vive, para de fato provocar a transformação da situação que vivemos hoje”, salientou.

A presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, disse que a instituição levou conhecimento científico a todos os setores sociais durante a pandemia, mas ao mesmo tempo fortaleceu ações em rede. Segundo ela, os projetos apresentados possibilitaram reduzir o impacto da Covid-19 numa situação de grande vulnerabilidade social.

“Não é possível pensar em desigualdade sem reconhecer que estamos em lugares diferentes, temos direitos e acesso de forma desigual, mas que temos que construir democraticamente e ter governantes comprometidos em defesa da vida, e como sociedade estar organizados para uma agenda que não se esgota com esse projeto, mas que o torna uma potência. A saúde, educação, ciência, tecnologia e inovação são meios de conseguir superar, com a força da sociedade esse impacto nas favelas e periferias”.

Desigualdades expostas na pandemia

A presidente da Fiocruz ainda destacou a importância do programa desenvolvido junto às comunidades para reparar as desigualdades sociais que se acentuaram durante a pandemia.

“A pandemia impactou a todas e todos, mas de forma desigual. As populações mais afetadas são aquelas que residem em áreas historicamente vulnerabilizadas, como as favelas e periferias. Esse projeto deu um enfoque maior a essas populações, no entanto, de uma forma que as colocasse como protagonistas dessas políticas. É um projeto, sobretudo, com essas comunidades, e não apenas para elas”, ressaltou.

Nísia também destacou que a atuação das instituições nessa parceria é decisiva e a contribuição de universidades, de associações e da Alerj foi fundamental para a realização dessa iniciativa do Plano Fiocruz de Enfrentamento à Covid-19, que pode inspirar outras políticas públicas do tipo. “É uma parceria pela saúde e a vida que ajuda a explicar a expressividade desses resultados”, ressaltou.

Pela Alerj, participaram o presidente, deputado André Ceciliano (PT), e os deputados Flávio Serafini e Renata Souza (Psol). Também estiveram presentes Carlos Frederico Leão Rocha, vice-reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Claudia Gonçalves, pró-reitora de Extensão e Cultura da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj); Marcelo Burgos, representante da Pontifícia Universidade Católica (PUC).e Isabela Santos, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

Onde os recursos estão sendo aplicados

De acordo com o coordenador executivo do Plano Fiocruz de Enfrentamento à Covid-19 nas Favelas, Richarlls Martins, até o momento, os projetos em atividade receberam R$ 5,5 milhões em investimentos, que beneficiaram favelas de Angra dos Reis, Duque de Caxias, Queimados, Niterói, Petrópolis, Rio de Janeiro e São Gonçalo.

As ações de apoio nesses territórios foram destinadas às áreas mais afetadas durante a pandemia: segurança alimentar, saúde mental, comunicação popular em saúde, evasão escolar e formação para o campo de trabalho.

No campo da segurança alimentar, 80% dos projetos atuam no enfrentamento à fome e ao direito à alimentação. Além das 181 toneladas de alimentos entregues, são sete cozinhas comunitárias sustentadas com 22 mil refeições distribuídas; sete hortas comunitárias apoiadas e 30% dos projetos atuando com parcerias agroecológicas, agricultura familiar e alimentação orgânica.

Cerca de 40% dos projetos apresentados têm atuação na área de saúde mental, com acompanhamento psicoterapêutico para 400 pessoas; psicoterapia para ativistas e lideranças comunitárias e pesquisa sobre saúde mental realizada com 600 moradores de favelas conduzida pela Agência de Notícias das Favelas (ANF).

Na área de comunicação popular, 45% dos projetos atuam com produção de conteúdo sobre prevenção, vacinação, uso de máscaras e 75% deles com medidas de prevenção à Covid-19 com distribuição de kits de higiene, máscaras e álcool em gel.

‘A gente não quer só comida’

Um total de 450 crianças, adolescentes e jovens das favelas foram inseridas em ações de educação integral em saúde, reforço escolar e enfrentamento à evasão escolar. E 435 pessoas foram capacitadas em cursos e formações, com foco na geração de renda e mercado de trabalho, em sua maioria, mulheres e jovens.

Aproximadamente 20% dos projetos apoiaram famílias com distribuição de gás de cozinha; 15% apresentam arte, cultura, esportes e literatura como eixo central e 10% deles com assistência integral a mulheres no período de gestação. Além disso, identificam-se mulheres, em sua maioria, como beneficiárias dos programas, chegando a 97% do público em alguns casos.

Alguns exemplos importantes de inovações desenvolvidas são o Movimento de Mulheres do Salgueiro, em São Gonçalo, com a primeira moeda social implementada no Complexo do Salgueiro; a constituição da inédita Rede de favelas da Tijuca; a criação do aplicativo Favela Viva, primeiro do Brasil voltado para agendamento de atendimento jurídico, social e psicológico para moradores de favelas, e as ações do SOS Providência, com o recém-lançado Censo Providência 2022, que fará o recenseamento da população local.

Mais sobre o evento 54 x Favela

Evento na Fiocruz reuniu representantes dos 54 projetos que já receberam financiamento da Alerj para ações em favelas (Foto: Thiago Lontra / Alerj)

O 54 x Favela: parcerias em defesa da vida foi dividido em dois momentos: pela manhã na Tenda da Ciência, no campus da Fiocruz em Manguinhos, e à tarde à vivência prática na Arena Samol, no Morro da Providência. Além de informar a sociedade sobre o andamento dos projetos, o objetivo foi de propor reflexões sobre o combate a problemas estruturais no contexto da pandemia. Na ocasião, foi formalizada a criação do comitê de monitoramento das atividades e ações em desenvolvimento.

Os coordenadores se dividiram em fóruns temáticos de acordo com os perfis de atuação de cada projeto. Ao todo, seis eixos centrais nortearam os debates: proteção social; comunicação; territórios saudáveis e sustentáveis; saúde mental, educação; trabalho/renda. Numa tribuna livre, coordenadores dos projetos apoiados puderam compartilhar suas experiências.

Mais sobre a chamada pública

A bem humorada e criativa MC Zuleide apresentou poesia sobre papel da mulher preta da favela em evento na Firjan (Foto: Thiago Lontra / Alerj)

A Chamada Pública para Apoio a Ações Emergenciais de Enfrentamento à Covid-19 nas Favelas do Rio de Janeiro é fruto de um esforço interinstitucional envolvendo UFRJ, Uerj, PUC-Rio, Abrasco, Fiocruz, sindicatos de profissionais das áreas de saúde e assistência social, bem como organizações baseadas em favelas.

Juntas, essas entidades elaboraram o Plano de Ação para Enfrentamento da Covid-19 nas Favelas do Rio de Janeiro, com recursos provenientes da Lei Nº 8.972/20, do Fundo Especial da Alerj à Fiocruz, que somam R$ 20 milhões em doação.

O objetivo é financiar projetos que tenham como iniciativa ampliar a participação social na vigilância em saúde nas favelas do Estado do Rio de Janeiro. ONGs e entidades com atuação comprovada em favelas concorreram a financiamentos de R$ 50 mil até R$ 500 mil para executar ações de combate à Covid-19 nessas comunidades.

Estas ações devem ser realizadas em áreas de interesse estabelecidas: Apoio social; Comunicação e Informação; Saúde mental; Proteção individual e coletiva; Apoio à testagem, rastreamentos e isolamento; Educação e Promoção de Territórios Saudáveis e Sustentáveis. 

Com Agência Fiocruz de Notícias e Alerj

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