Gravidez silenciosa: ‘Não sentia chutar, nem tive azia, enjoo, nada’

Jornalista descobriu gravidez silenciosa no dia do parto: ‘Entrei numa UPA com cólica intestinal e saí da maternidade com minha bebê no colo’

Kel e Karoline, em Curitiba, às vésperas do aniversário de 40 anos da mãe e 1º ano da filha (Foto: Álbum de Familia)
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Era 7 de setembro de 2020, em plena pandemia, quando a jornalista Kalrhen Braga passou mal e foi parar numa emergência pública da Zona Oeste do Rio de Janeiro. Chegando lá, a grande surpresa: descobriu que tinha uma ‘gravidez silenciosa’. E que a bebê já estava a caminho. Isso mesmo: a Kel, como é conhecida, estava em trabalho de parto. Horas depois, Karoline vinha ao mundo, linda, esperta e totalmente saudável. Um milagre, acredita a mãe de primeira viagem.

O primeiro sinal dessa maternidade inesperada chegou no dia 3 de setembro do ano passado, dia em que Kel fez 39 anos. Ela começou a sentir fortes dores na barriga e achou que fosse um problema intestinal. Nunca desconfiaria de uma gravidez silenciosa. Afinal, desde criança ela sofria com prisão de ventre, chegando a ficar uma semana sem ir ao banheiro. Tomou um remédio e a dor passou.

No dia 6, um domingo à noite, véspera do feriado da Independência, a dor reapareceu. Novamente ela tomou um remédio. Mas na manhã seguinte, às 6h30, Kel acordou com dores abdominais intensas, que não cediam com os remédios. Achou que fosse uma infecção intestinal mais grave. Decidiu então procurar a Unidade de Pronto Atendimento mais próxima. 

Karoline, filha da jornalista Kalrhen Braga (Foto: Álbum de Família)

Às 9h30, Kel chegou na UPA. Como era feriado nacional, estava vazia e a equipe fez todos os procedimentos necessários: exames de sangue e urina e vários remédios. Mas nada de a dor passar. Doía toda a área do abdômen até a região pélvica, irradiando para a lombar. Foi aí que uma médica resolveu pedir mais um exame de sangue, para comprovar a suspeita de uma gravidez silenciosa.

“Olha, filha, essas cólicas não são cólicas, são contrações. Você está grávida. E parece que é gravidez avançada. As contrações estão fortes porque você vai ter neném entre hoje e amanhã”, lhe disse a médica.

Kel não acreditou. Afinal, teve menstruação normalmente todo esse tempo. A médica auscultou sua barriga e Kel pôde ouvir o coraçãozinho da bebê batendo. “Foi aí eu me convenci que estava mesmo grávida”, conta ela, que foi imediatamente enviada para a maternidade mais próxima no Hospital Rocha Faria, em Campo Grande.

“A gente chegou lá numa ambulância, eu já na maca, praticamente sem reação, com muito medo e assustada com toda aquela situação. Uma amiga minha foi correndo pra lá e fiquei mais tranquila. Cheguei pouco depois das 17h30 e ela nasceu às 18h15 do dia 7. Foi tudo muito rápido. Eu fiz força umas três ou quatro vezes e ela saiu. Foi muito a mão de Deus segurando tudo”, conta Kel.

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‘Não senti nada, meu ciclo era normal’

Kalrhen Braga, com a filha Karoline: ‘só amor e felicidade’ (Foto: Álbum de Família)

A gravidez era de risco por conta da idade (acima dos 35 anos) e de Kel estar acima do peso, mas não pelo tempo de gestação – 36 semanas. Karoline nasceu de parto normal, com 47 centímetros e 2,650 kg, totalmente saudável, mesmo sem o tão necessário acompanhamento de pré-natal.

“Não senti nada, meu ciclo era normal. A obstetra disse que devia ser um sangramento do útero ou da placenta, ou alguma coisa assim. Na sala de pré-parto, o médico falou que não conseguia enxergar meu útero. Realmente ela estava escondida”, relembra.

Mas existe mesmo gravidez invisível? Como uma mulher chega a quase nove meses de gravidez sem perceber? Este foi o questionamento – algumas vezes em tom de julgamento e condenação – que ela mais recebeu logo que deu à luz, surpreendendo amigos, familiares e ela própria.

“Não senti chutar, não senti azia, enjoo, nada. Fiquei quatro meses na casa da minha mãe, meu pai cozinha muito. Achei que o engordar fosse disso. Quase não saía de casa e estava comendo muito, trabalhando direto em home office. Não tenho ideia do quanto eu engordei porque não fico me pesando, mas sei que estava muito mais”, revela.

‘Gravidez silenciosa’: riscos para mãe e feto

Segundo especialistas, na gravidez silenciosa, a mãe só nota a gestação por volta do terceiro trimestre, mas isso pode ocorrer até mesmo no momento do parto. Os fatores podem ser diversos e até mesmo trazer riscos para a mãe e o bebê. A ginecologista e obstetra Karina Tafner, do Hospital Santa Casa de São Paulo, especialista em Reprodução Assistida pela Febrasgo (Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia), explica o fenômeno:

“Todas as mulheres têm aumento da barriga durante a gestação, mas algumas mostram menos. Depende da paridade da mulher, da estrutura corporal, musculatura abdominal, tamanho do bebê, gordura corporal, ganho de peso durante a gestação, entre outros fatores”, explica. Já os sangramentos não regulares, segundo ela, não estão relacionados à menstruação. “Os sangramentos podem ter diversas causas e geralmente indicam complicações da gestação que podem levar a riscos para mãe e feto.”

Ainda segundo Karina, não saber que está esperando um filho também aumenta o risco de saúde para ambos – mãe e bebê. “Principalmente pela falta de realização de exame pré-natal e acompanhamento adequado da gestação, o que expõe a gestante e o feto a diversas doenças como infecções adquiridas e patologias da gestação”, disse a especialista ao Uol.

Da gravidez invisível à luta de uma mãe-solo

Sem condições de criar a filha sozinha, Karlhen voltou para a casa dos pais em Curitiba (Foto: Álbum de Família)

Vivendo de trabalhos freelancer, cada vez mais escassos no Jornalismo em tempos de pandemia, Kel contou com a solidariedade de muitos amigos: eles fizeram vaquinha para o enxoval que teve que ser feito às pressas. “Minha casa é muito pequena e não cabia tanta coisa que ganhamos. Foi muito amor envolvido”, diz ela, agradecida.

Kel teve que recorrer ao auxílio-maternidade do INSS para se sustentar num primeiro momento. Sem condições de se manter sozinha com a filha no Rio, onde vive há muitos anos a trabalho, voltou para a casa da família, em Curitiba, logo após o resguardo.

As duas – mãe e filha – foram recebidas de braços abertos, para alegria dos avós e da tia. A reação dos pais e da irmã de Kel não poderia ser diferente de encantamento. Karoline – que ganhou esse nome em homenagem à bisavó de Kel – é a primeira neta e sobrinha da família Braga.

“Eu falei com calma porque eles me viram começo de agosto e eu ‘não estava grávida’! Mas ficaram muito encantados e minha irmã também”, comentou a jornalista, na entrevista concedida ao ViDA & Ação, ainda nos primeiros dias de vida da bebê e somente hoje publicada. Um presente de aniversário para Kel, que completou 40 anos nesta sexta-feira (3/9) e se prepara para festejar o primeiro aninho da Karol na terça (7/9).

Até hoje ela passa aperto para oferecer o melhor para a filha. Já vendeu rifas e fez sorteios para custear os gastos que só uma mãe-solo sabe o que são. Enquanto isso, planeja voltar a viver no Rio, do seu trabalho como jornalista, como fez em toda a sua vida adulta, passando por grandes redações de TVs. “Estar em casa, perto da família, é muito bom, mas infelizmente para morar em Curitiba é difícil; esse nicho de trabalho está muito ruim”, conta ela, que também atua com assessoria de imprensa.

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Sem julgamentos, só amor

Karoline nasceu plenamente saudável, apesar dos riscos com a falta do pré-natal (Foto: Álbum de Família)

Kel nos autorizou a contar sua história na seção SuperAção com um único propósito: ajudar outras mulheres que, como ela, se tornaram mães sem saber ou estar preparadas para esse momento tão especial. “Tudo em prol da maternidade e não com o ‘julgamento’ do tipo: ‘Você não conhece seu corpo?’.  Esse julgamento não ajuda em nada”, reflete. Veja o depoimento emocionado dela:

“Você acha que se eu soubesse de uma gravidez eu colocaria a vida da minha filha em risco? Não faria um pré-natal, um chá de bebê? Não avisaria minha família? Viajaria em plena gravidez a trabalho? Um mínimo de preparo para recebê-la seria o ideal. Mas eu não tive isso porque eu não sabia.

Ouvi falarem: ‘Você está escondendo, não queria falar com ninguém’. Se eu soubesse (que estava grávida) eu não seria negligente com  minha filha. Esse julgamento é o que deixa a gente não só triste, mas muito descompensada. Pessoas que não sabem da sua vida e vêm te questionar, quando têm que olhar para a sua história com o viés de que a vida é muito maior do que a gente pensa.

As coisas vêm quando a gente tem capacidade de ‘segurar a onda’. É preciso olhar com esse prisma para minha história e as dessas mulheres que passaram por uma situação tão atípica e, de repente, viraram mães. Quero mudar isso, mostrar que essas mães realmente não sabem e não é por falta de conhecer o próprio corpo. Senão, seria até negligência e não é isso.

Minha história é um exemplo desses. Estava entrando numa UPA, achando que era uma cólica intestinal, e saí 8 dias depois da maternidade com uma filha no colo. Minha vida deu uma virada de 360 graus, mas é uma virada de muita felicidade, de muito amor”.

História vai virar livro

A jornalista Kalrhen Braga escreve um livro em que conta a história da gravidez invisível da Karoline (Foto: Álbum de Família)

Essa é apenas uma parte da história da pequena Karol que Kel quer contar em um livro que está acabando de escrever. Na publicação, ela quer não apenas contar curiosidades de sua gravidez silenciosa, como abordar mais a fundo essa condição, dando dicas e recomendações a mães tão inesperadas quanto ela.

Anestesiada e emocionada com a chegada da bebê, Kel não procurou saber mais detalhes na hora com a obstetra sobre a chamada gravidez silenciosa que, ao contrário do que muita gente pensa, é incomum, mas não é tão rara assim. Kel conta que ela mesma já soube de pelo menos cinco mulheres na mesma situação, uma delas, sua própria comadre.

“Tenho mais uns três casos bem parecidos no Rio e mais dois em Curitiba. Minha comadre – uma irmã que a vida me deu – nem barriga tinha, e a bebê dela nasceu em casa. Ela passou mal à noite e no dia seguinte me ligou dizendo que teve um bebê. Eu não acreditei, falei com a mãe dela, que mostrou as fotos”, conta.

Ah! E como foi a reação do pai da criança? Essa é a única parte triste dessa história. “O pai inda não assumiu a Karol, mas estamos conversando. Ele ainda não conheceu a Karoline, mas já viu as fotos dela. Já é um começo. O importante é que ela está bem e cada vez mais saudável”, conta a mãe. Na última consulta, a bebê já media 71 centímetros e pesava 8,5 quilos.

Nem a indiferença e desconfiança iniciais do pai foram capazes de abalar a felicidade de Kel, que nunca havia sonhado em ser mãe, mas descobriu numa maternidade totalmente atípica e inesperada o que talvez ainda faltasse na sua vida como mulher independente, forte e muito resiliente.

“Estou num misto de muito amor, cercada por uma corrente do bem danada. Esperava ser mãe um dia, mas não tinha intenção de ter filho tão cedo. Não tinha essa situação de ter um relacionamento. Mas é muito amor, é renovação. Cuidar de uma criança é passar ternura, compaixão, que é só o que eu tenho no coração”, afirma a jornalista.

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