Como deve ser a rotina de sono e descanso dos jovens?

Cansaço na adolescência é uma necessidade biológica, diz a psiquiatra Danielle Admoni, especializada em Infância e Adolescência

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Por Danielle Admoni*

O que você sabe sobre o frequente cansaço dos adolescentes? Será que é apenas preguiça? O quadro não é tão simples. Então, vamos aos fatos: o nosso ritmo biológico é orientado pelo ciclo luz/escuro, que é a principal fonte de informação do corpo sobre horários. A secreção do hormônio melatonina se inicia no escuro e é inibida pela exposição à luz.

A mesma passa pela retina para o núcleo localizado no cérebro, o supraquiasmático, que é considerado o relógio central do nosso organismo. Nos adolescentes, a melatonina passa a ter seu pico de excreção mais tarde, atrasando a sua sensação de sono. O hormônio cortisol, liberado pelas glândulas suprarrenais, é responsável por nos manter em alerta durante o dia. Nos adolescentes, também apresenta secreção tardia, levando ao despertar tardio, e muito sono logo de manhã. 

O adolescente é um ser biologicamente programado para dormir e acordar mais tarde, sendo que, na maior parte da manhã, seu cérebro não está em estado de vigília. Isso ajuda a explicar a fama de dorminhocos, principalmente no período da manhã (que é justamente o período de aulas que, em geral, começam cedo).

Há evidências de que os adolescentes, na maioria das sociedades industrializadas, não atingem as horas diárias de sono recomendadas durante o período escolar, o que é consistente com estimativas de que, nos últimos 100 anos, o sono encurtou em cerca de uma hora, nos adolescentes.

Junte a isso o excessivo uso de telas e a intensa atividade social, que acabam contribuindo para a diminuição de tempo de sono noturno em adolescentes e consequente sonolência diurna. Além disso, a exposição à luz durante a noite aumenta os riscos de doenças, contribuindo para a desregulação desse ciclo diário comportamental e biológico. 

Adolescentes devem dormir de 8 a 10 horas por dia

De acordo com recomendações da American Academy of Sleep Medicine, AASM, Academia Americana de Medicina do Sono, em um período de 24 horas para uma saúde ideal, os adolescentes devem dormir de 8 a 10 horas por noite. 

Caso não cumpram esta carga horária recomendada, podem apresentar riscos à saúde, como sonolência diurna, dificuldades de atenção e de concentração, baixo desempenho escolar, além de oscilações de humor, predisposição a acidentes, atraso no desenvolvimento puberal, maior ganho de peso, uso de álcool e substâncias proibidas. 

Fique atento a fatores de risco

A adolescência é bastante estudada por ser considerada chave para o início de transtornos mentais pelas alterações hormonais e cerebrais, ou seja, é uma fase fundamental para identificar fatores de risco. No periódico médico internacional, “JAMA”, de 1 de julho de 2020, foi publicado um artigo sobre o sono em adolescentes. No mesmo, foram abordados os seguintes tópicos:

– Sono é um fator chave para o desenvolvimento de transtornos mentais. É fundamental para o funcionamento do sistema nervoso central, ocupando um terço de nossas vidas.

– O sono pode ser um dos principais marcadores do funcionamento cerebral e da saúde mental. 

– Da mesma forma, o sono adequado na infância é fundamental para um bom funcionamento mental e cognitivo.

– Há uma potencial associação do sono com a função de uma parte do sistema nervoso central denominado de lobo frontal, especialmente na primeira infância, quando o cérebro apresenta plasticidade dinâmica, ou seja, mudanças estruturais neurológicas. 

– Alterações de sono precoces podem estar relacionadas a sintomas psicopatológicos futuros.

Insônia e privação de sono

Estima-se que entre 14% e 33% dos jovens se queixam de problemas de sono, enquanto 10% a 40% dos estudantes do ensino médio apresentam moderada ou transitória privação ou insuficiência de sono. 

Adolescentes são bastante vulneráveis a distúrbios do sono, principalmente a insônia. O hábito de dormir até mais tarde nos finais de semana, para compensar a falta de sono acumulada, é denominado ‘oversleeping’ e contribui para a alteração do ritmo circadiano, isto é, do ritmo biológico.

Enquanto as crianças são seres predominantemente matutinos (dormem e acordam mais cedo), os adolescentes vão se tornando mais atrasados durante a puberdade, atingindo o máximo da vespertinidade próximo dos 20 anos de idade. Geralmente, acometem primeiro as meninas, podendo ser considerado um marcador do final da adolescência. 

É fundamental entender e respeitar que o organismo deles trabalha de forma diferente. Daí a importância de organizar as atividades e a vida do adolescente conforme seu ritmo. Cobrar, exigir e pressionar uma rotina fora do seu padrão biológico só irá gerar improdutividade e desgaste a todos.

Danielle Herszenhorn Admoni

Danielle Admoni, psiquiatra, especializada em Infância e Adolescência (Foto: Divulgação)

Graduada em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, com residência em Psiquiatria Geral e Psiquiatria da Infância e Adolescência pela Escola Paulista de Medicina da Unifesp e título de especialista pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).

Atuou no CAPS Juventude e vários ambulatórios de Psiquiatria e Neurologia da Unifesp, sempre relacionados à infância e adolescência. É médica concursada desde 2004 na Unifesp, atualmente lotada no Ambulatório de Adolescentes e no Núcleo Trans Unifesp como preceptora de residência.

Danielle colabora para a seção ‘Palavra de Especialista’ uma vez por mês, sempre às quartas-feiras.

 

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